Vaclav Smil (2024). Invention and Innovation. Cambridge: MIT Press.
Um livro excelente para nos ajudar a dicotomia do discurso sobre inovação tecnológica, que geralmente se divide em dois campos: por um lado, o deslumbre absoluto e acrítico sobre as supostas capacidades revolucionárias das tecnologias, mesmo que estas não sejam tão capazes quando o prometido e deixado de lado considerações éticas e sociais; por outro, a sua rejeição também acrírica, alimentada a medos e temores infundados. Pelo meio, esquecido e desprezado (e até mal visto em certos sectores) ficam as verdadeiras visões críticas, que analisam e tentam compreender a inovação como um todo, avaliando e integrando os novos desenvolvimentos tecnológicos, mas também procurando compreender e resolver as problemáticas criadas pelos seus impactos.
Já tenho alguns anitos e acompanhado muitos ciclos de inovação, quer como utilizador quer na sua componente pedagógica, e confesso-me cansado destes discursos de binarismo absoluto, que na grande maioria dos casos apenas parecem servir para propalar a fama de quem os debita. Então no caso do impacto da inovação tecnológica na educação, não cessa de me surpreender a quantidade de experts que apregoam bem alto o credo inovatório, sem terem conhecimentos elementares sobre as tecnologias que defendem como revolucionárias e essenciais (também, diga-se de forma amarga, não precisam de o ter, falam em eventos onde basta acenar o credo da inovação de forma generalista, sem ter de explicar o que uma dada tecnologia faz, realmente serve ou como pode ser usada a favor das crianças e jovens) (estou a excluir disto o lado de investigação académica, claro, ou os esforços sustentados de professores e associações que procuram criar bases de formação mais crítica).
O antídoto vem da visão crítica e culta de Smil. Profundo conhecedor da história da tecnologia, não só da mais superficial evolução da descoberta e invenção, mas também dos impactos sociais mais amplos, traz-nos neste livro histórias de tecnologias vistas como revolucionárias mas que falharam nos seus impactos prometidos. As razões são múltiplas. Umas, porque ficaram associadas a falhas catastróficas que geraram trauma coletivo persistente na memória, mesmo que o seu desenvolvimento demonstre serem tecnologias seguras. Esse é o exemplo dos dirigíveis, uma tecnologia que não pega precisamente porque estará para sempre associada ao acidente do Hindenburg. Outras, porque a complexidade dos desafios científicos que representam não se ajustam a visões temporais mais curtas, e passam décadas num estado de desenvolvimento, dando origem àquela ideia que serão revolucionárias sempre daqui a 20 anos. Talvez o melhor exemplo disso seja a energia nuclar de fusão, esse objetivo sempre tão elusivo.
Outras falham porque os problemas que causam a médio prazo se revelam mais graves do que os que resolviam quando surgiram, caso de pesticidas com efeitos nocivos sobre o ambiente, saúde humana e animal, ou da energia nuclear. E há aquelas que não se podem resumir a soluções mágicas generalistas trazidas pela ciência, que é o caso das abordagens aos combates ao cancro e ao aquecimento global e alterações climáticas.
Smil não nos traça um quadro de absolutos. Através da análise crítica da história de tecnologias que falharm pelos seus impactos inesperados, ou incapacidade de cumprir as promessas deslumbradas, mostra-nos os ciclos de fascínio, aplicação social e económica e luta contra os seus impactos.
Numa cultura mediática saturada por discursos de deslumbre por novas tecnologias em múltiplos ciclos de projetos, tecnologias e produtos (e tendo em conta que boa parte destes discursos são marketing para vender gadgets ou financiar empresas), precisamos de vozes equilibradas que nos coloquem a refletir. Este é um livro perfeito para isso.