Barry Hatton (2018). Rainha do Mar. Lisboa: Clube do Autor.
É uma daquelas características curiosas do caráter português, a curiosidade sobre a visão que os de fora trazem sobre a nossa história e cultura, quase como se delas necessitássemos para validar o que somos. Claro, se a visão não for elogiosa aos nossos princípios, a tendência é de a declarar como herética e ofensiva. E nisso, apesar de uma abordagem suave, este livro tem alguns pormenores que uma leitura atenta mostraria como ofensivos para os setores mais conservadores da sociedade portuguesa.
Lisboa é a a grande protagonista deste livro que sintetiza a história da cidade, e através dela, do país. Aliás, essa é uma das reflexões que este livro suscita (e com o qual termina), o peso desmesurado da cidade na visão que temos do nosso passado. Uma macrocefalia que, apesar de hoje mais esbatida com o forte investimento que desde os anos 70 tem elevado o noss país, ainda hoje se sente.
Hatton fala-nos da história da cidade, sem se meter muito pelo passado mais longíquo, desde os tempos romanos até à atualidade. Fá-lo de uma forma interessante e elegante, entretecendo a evolução da geografia dos espaços urbanos com os momentos históricos, e com as histórias das pessoas que viveram na cidade. Esta abordagem torna-o um livro muito rico, partindo dos momentos fulcrais e das personalidades para traçar a história urbana.
Sendo um olhar exterior, sente-se o fascínio pelo nosso passado, bem como pela estética da cidadade. Mas também, como olhar externo, não se coíbe de apresentar visões críticas, especialmente visíveis quando nos fala do lado violento dos descobrimentos (anda arredado dos nossos manuais escolares, mas se lerem com atenção a História, ele está lá), do legado do esclavigismo, da cegueira obscurantista trazida pela igreja, da vacuidade das elites que torraram as enormes riquezas coloniais em luxo, da falta de reconhecimento do legado africano, quer o do tempo dos descobrimentos quer o atual, construído pelas experiências dos imigrantes vindos das ex-colónias.
Uma leitura apaixonante para olisipófilos, mas também para curiosos sobre a história da cidade e do país.