Alastair Reynolds (2022). Eversion. Londres: Orbit.
Este é um daqueles livros inquietos, que nos obriga a rever constantemente as nossas expetativas face à realidade ficcionada da narrativa. Uma sucessão de eventos que se repetem num ciclo difícil de quebrar, que a cada nova iteração trazem novos elementos mas mantém a estrutura, como forma de fuga a uma realidade de aceitação difícil.
Estamos no século XIX, e a tripulação de um veleiro prepara-se para entrar num local misterioso no ártico. Mas, estamos no final do século XIX, e a tripulação de um vapor prepara-se para entrar num local misterioso na Antártida. Ou estamos num século XX dieselpunk, e os tripulantes de um dirigível preparam-se para aterrar no interior de uma anomalia geográfica no polo sul. Ou talvez estejamos num futuro guernsback continuum, e a tripulação de uma nave da patrulha espacial prepara-se para investigar um misterioso planeta. Em comum, sempre os mesmos personagens, e sempre o mesmo final funesto.
Ou, na realidade ficcional, estamos no século XXI, e a tripulação de uma nave expedicionária à lua Europa se encontre em sérios apuros. A missão de penetrar nos oceanos sob o gelo da lua foi bem sucedida, mas deparou-se com um mistério, um estranho artefacto alienígena que os captura para estudo. O artefacto em si é uma anomalia, talvez uma sonda inteligente que ao sair do espaço FTL ficou acidentalmente com a sua topologia invertida. Uma mente digital alienígena levada à loucura, que captura os tripulantes para lhes sugar toda a informação possível.
Resta o médico da tripulação para os salvar, ajudado por uma misteriosa mulher. É aqui que reside o cerne do livro, o seu mcguffin. O médico julga-se humano, mas na verdade é uma inteligência artificial de uso médico programada com empatia, que está incapaz de enfrentar a verdade sobre si. Resta a misteriosa mulher, que é na verdade um subsistema da IA gerado para questionar as decisões do algoritmo. Enquanto a IA não reconhecer a sua natureza, não há esperança de salvação para os tripulantes humanos. Daí as linhas narrativas sucessivas, ilusões criadas por um algoritmo que acredita ser plenamente humano.
Reynolds escapa-se aqui da space opera mais clássica pela qual é conhecido para nos regalar com uma sólida narrativa de ficção científica. O constante questionar de realidades, o personagem central como um ser virtual que constrói elaboradas narrativas para se convencer que é humano, é o elemento que conduz o romance. Fica por explicar a natureza do artefacto alienígena, mas isso seria acessório. O tom do romance está na dificuldade perante o reconhecimento da real natureza de um individuo.