quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Regresso a "O".


Stefan Wul (1978). Regresso a "O". Lisboa: Círculo de Leitores. 

Um mergulho num autor clássico da ficção científica francesa. Wul mistura um pouco de ficção de antecipação com uma boa dose de fantasia, numa história de espionagem e revoltas lunares originalmente editada em 1956.

Um destacado cientista terrestre é arregimentado para desempenhar uma missão secreta na Lua. Para isso, é condenado ao êxodo da Terra, acusado de ter provocado uma tragédia. O subterfúgio é necessário porque a sociedade lunar é composta por criminosos terrestres, exilados para o satélite como castigo para os seus crimes, e os seus descendentes (paralelo, óbvio, com a história da Austrália). Apesar das vicissitudes do exílio numa lua habitada por bizarras e violentas espécies animais (aventura exótica, e não rigor científico, é o pilar principal deste livro), foram capazes de erguer cidades, e desenvolver tecnologias que agora ameaçam a Terra. 

O subterfúgio do cientista está descoberto à partida, mas este consegue virar o jogo a seu favor, iludindo os habitantes lunares, apesar destes saberem das suas reais intenções. Consegue desenvolver atos de sabotagem que colocam fora de combate a tecnologia militar lunar, e subverter a ordem social local. Apesar de um professo ódio civilizacional à Terra, na verdade a grande parte da população lunar é indiferente ao ódio expresso pelos seus líderes, e não veem razão para apoiar o seu extremismo. Em especial no que toca às mulheres, cujo papel social é o de serem esposas submissas e analfabetas, para melhor servirem os homens. Tudo clivagens que o agente terrestre consegue explorar.

O livro em si é delirante, uma sucessão de bizarras aventuras. Se o primeiro encontro com a superfície lunar e a sua violenta fauna já é um exercício de surrealismo em ficção científica, o livro ainda nos dá voos mais inesperados. Como, por exemplo, o combate a uma bactéria mortífera que é feito por médicos que são miniaturizados, e injetados na corrente sanguínea do paciente para combater a bactéria com espadas. O final é inesperado, a vitória do agente terrestre é total, mas um ato de vingança do líder lunar provoca a explosão da lua, e a destruição da vida humana na Terra. Apenas o agente e a sua amante lunar sobrevivem, refugiando-se no pacífico sul como uma espécie de Adão e Eva do futuro.

Wul invoca iconografias futuristas, mas a sua veia está mais numa ficção científica de exotismos e fantasias. A aventura é ritmada, pensada para manter o interesse do leitor, mas o que cativa são as descrições dos espaços e sociedades desta Lua imaginária. Não é particularmente realista, mas também não o pretende ser, esta vertente do género sempre assumiu a ficção científica como elemento sonhador, ao invés de se preocupar com um caminho mais duro de verossimilhança.