terça-feira, 24 de maio de 2022

Beyond the Hallowed Sky


Ken MacLeod (2021). Beyond the Hallowed Sky. Londres: Orbit.

Há um certo sentimento a ficção científica pós-brexit neste início de trilogia. Ken MacLeod dispensa apresentações, como um dos mais destacados e consistentes autores de space opera da atualidade, mas este início de trilogia pareceu-me não muito coerente, apesar de bem estruturado. Coloca muitas questões, que deixa naturalmente sem resposta (é para isso que servem os restantes livros) mas também não nos deixa muitas pistas para aguçar a curiosidade. 

Do ponto de vista de ideias, este livro tem um arranque explosivo: uma mensagem vinda do futuro dá a uma estudante de física as pistas para desenvolver a teoria por detrás de viagens que dobram o espaço-tempo. Uma mensagem que terá vindo do seu eu futuro. Numa das estranhas inconsistências deste livro, depressa descobrimos que afinal, a tecnologia para viagens superlumínicas já é bem conhecida, mantida em segredo pelos principais blocos políticos, que exploram ativamente sistemas planetários utilizando submarinos (este pormenor é muito interessante, foge um pouco à ideia clássica de nave espacial) e até estão a criar futuras colónias num planeta habitável. Planeta esse que tem alguns mistérios, um dos quais é ter abelhas geneticamente iguais às terrestres. Isto, com o surgir de umas rochas cristalinas que parecem ser conscientes, remete para a hipótese da vida na Terra ter sido semeada por alienígenas, cujos únicos vestígios parecem ser inteligências artificiais que residem em cristais, que se encontram quer no planeta habitável, quer na Terra, quer em Vénus.

O uso de inteligências artificiais pervasivas é um dos pontos interessantes do livro, espelhando as ideias atuais sobre esta tecnologia. São IAs omnipresentes, benévolas, que ajudam, guiam e antecipam as necessidades dos seus utentes, que são todos os cidadãos dos seus blocos políticos. É nos blocos políticos que a sensação de ficção científica com toque Brexit se faz sentir. MacLeod divide o seu mundo de futuro próximo em três grandes blocos: uma comunidade entre chineses e russos, uma aliança entre grandes estados anglófonos - Estados Unidos, Inglaterra e Índia, e uma União pós-UE, que congrega europeus, irlandeses e escoceses num espaço dedicado à prosperidade e qualidade de vida dos cidadãos, que emergiu após um violento e nunca explicado colapso da antiga ordem. 

Como é típico deste tipo de narrativas, seguimos vários pontos de vista: um grupo de escoceses construtores de submarinos, que se relacionam com a física que recebeu a mensagem do futuro e se dedicam a construir em segredo uma nave capaz de viagens FTL, descobrindo no processo que a tecnologia já existe, foi mantida secreta e nunca partilhada com os europeus; um encantador e letal robot humanóide, que funciona como agente secreto ao serviço da aliança anglófona, e que tem como missão travar os europeus que, no solo agreste de Vénus, estão à beira de descobrir o segredo dos misteriosos cristais. Segredo esse que já foi descoberto por rebeldes, inadaptados que fugiram dos primeiros entrepostos humanos no planeta alienígena para formar as suas próprias colónias, e que descobriram que os cristais podem comunicar e representam uma forma de inteligência.

O livro levanta imensas questões, não responde a nenhuma, segue caminhos por vezes divergentes nas linhas narrativas. Safa-se a construção muito sólida do mundo ficcional, algo que MacLeod é exímio. Os inícios de trilogia costumam ser obras muito marcantes, mas esta deixou um certo sentimento de dispersão.