Kenneth Clark (2021). Civilização. Lisboa: Gradiva.
É sempre encantador mergulhar na erudição pura de um GBM. Entrar na mente e modo de pensamento que interliga ideias díspares, que nos avassala com conhecimento, que procura ligações por vezes insuspeitas, por outras inesperadas, entre épocas e pessoas marcantes. Decorrendo de um daqueles programas televisivos entre o educativo e o genial que a BBC sempre soube fazer tão bem, Civilização leva-nos da antiguidade clássica aos tempos pré-contemporâneos do historiador de arte Kenneth Clark, ou seja, a viragem do século XIX para o XX. Um voo pelas intersecções entre arte e história, em busca de uma sempre inatingível ideia de civilização.
É de observar que este livro é assumidamente europeu. Não no sentido de Europa como visão de uma civilização mundial superior - embora a combinação de colonialismo e capitalismo tenha espalhado os modos de ver europeus à escala planetária (e isso é reconhecido no livro). Apenas, por ser a realidade do autor, escocês amante de arte e profundo conhecedor das zonas fulcrais da Europa. Isso é abertamente admitido logo no princípio do livro, em que Clark confessa a sua ignorância para conseguir analisar de forma profunda outras sociedades.
Em cada capítulo, Clark procura olhar para momentos específicos da história europeia e procurar neles traços de uma visão idealizada de civilização. Não consegue, claro, porque como faz depreender da viagem em que nos leva, a ideia de civilização está num constante fluxo. Em vez de um progresso, há altos e baixos. É muito claro que Clark é classicista, a sua admiração pela antiguidade greco-romana é palpável, e permeia a sua visão do que constitui uma civilização. Não é uma admiração acrítica, mas o fascínio está lá. Talvez o mais próximo que se chegue tenha sido o Renascimento, na visão de Clark claramente o grande ponto alto da história europeia, e a viragem de século, onde a arte e a política começaram a recuar face ao papel da ciência e tecnologia na definição do que é a sociedade. O ponto mais baixo é apontado como a idade média, o que mostra que nalguns aspetos, este livro está datado, é produto de visões de um tempo que já passou. O mito da decadência intelectual da idade média é uma ideia que já se ultrapassou.
Mas peguemos neste livro pelo que é, uma manifestação de erudição que nos guia ao longo da história da arte europeia, sem ter medo da grande cultura, dos nomes marcantes, dos génios que quebraram barreiras e expetativas. Nisso, é apaixonante, uma redescoberta da tremenda herança europeia, entre romanos, góticos, renascentistas, iluministas ou cientistas. No melhor deste fervilhar de ideias, encontramos o melhor do caráter europeu.