domingo, 20 de fevereiro de 2022

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Esta semana, olha-se para o cinema soviético de ficção científica, um acervo de vídeos técnicos sobre BD, e livros de horror de autores portugueses. Fala-se da soberania tecnológica europeia, da fotografia em telemóveis das tecnologias de realidade aumentada da Disney. Reflete-se sobre a visão futurista de Charles Stross (leitura imperdível!), o declínio da literatura de viagens e hacktivismo. Outras leituras vos aguardam, nas Capturas da semana. 

Ficção Científica e Cultura Pop

Happy Hexagon: Com uma certa impotência de Sísifo, nestes personagens condenados a uma interminável deambulação.

A Brief History of Soviet Sci-fi: Uma seleção dos mais interessantes filmes de ficção científica vindos dos tempos soviéticos, quer da Rússia, quer de países do leste europeu. Algumas pérolas do cinema, excelentes surpresas pela sua estética, visão, e algumas bizarrias.

I Know It’s Only Science Fiction, But I Like It: Nem mais. Por muito que a FC tenha de entretenimento, e seja vista como tal por outras vertentes culturais, quem a conhece leva-a a sério. Porque vale a pena fazê-lo, mesmo que mais ninguém aprecie, nem mesmo ditos fãs de FC que se ficam pelo seu lado mais superficial.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL ANTIPIRATARIA COMEÇA ATIVIDADES EM ABRIL: Se a pirataria é indesejável, o tradicional argumento da partilha de conteúdos online como extremamente ruinosa para os media tradicionais também não se aguenta muito. Fazer equivaler um conteúdo pirateado a uma venda não existente é simplista, e longe da realidade. As probabilidades de um conteúdo não ser pirateado e por isso comprado são baixas; repare-se que muita da pirataria é simplesmente a busca da acessibilidade, de se ver, ler ou ouvir o que não está disponível no país onde se vive. Se um filme não sai no cinema, ou em dvd, ver uma cópia pirata equivale mesmo a uma venda perdida? A resposta ao problema da pirataria online já existe: reparem, hoje já ninguém se dá ao trabalho de piratear música, quando pode ter acesso às enormes bibliotecas dos serviços de streaming musical. 

Cory Doctorow: I, Robot: Jorge Candeias a acertar em cheio na flexibilidade da ficção, e na importância da remistura de ideias para nos apontar novos pontos de vista.

Catálogo dos álbuns de BD publicados em Portugal - Edição de 2021: Um projeto excelente, que desconhecia por completo. Cataloga todas as edições de BD em Portugal, sendo uma ferramenta inestimável para quem quer conhecer mais a fundo este campo.

Aumes Ronoy: Chegou-me por mensagem direta, o que  normalmente é motivo para ignorar, mas fui espreitar e fiquei surpreendido. Há aqui um imenso acervo de vídeos sobre técnicas de banda desenhada e ilustração digital.

Vincent Di Fate: Visões clássicas.

Animais Racionais #1: Um novo webcomic português, a ser publicado no Bandas Desenhadas.

The Best Book Covers of 2021: Só um pouco de eye candy literário.

Battlestar Galactica Series & Film Will Have "Shared Universe" & More: Confesso que fiquei algo perplexo com este artigo. Sempre assumi que Galactica era um universo partilhado, com base na série clássica dos anos 80...

Adult Graphic Novels Sales More Than Doubled In Bookstores In 2021: Antes que comecem aos risinhos e cotoveladas, é de observar que a categoria Adult Graphic Novels não indicia conteúdo de bolinha vermelha, mas sim o tipo de banda desenhada complexa em termos gráficos e narrativos, que não se destina a públicos infanto-juvenis.

“Sangue Novo” (“New Blood”): A New Wave of Horror Writers: Destaque para uma nova antologia de contos de Horror, escritos por novas vozes do panorama literário fantástico português. O seu editor escreveu o arrepiante As Sombras de Lázaro, um dos melhores livros de terror que li recentemente.

WHAT IS A BOOK?: Pensar o manuscrito, numa era em que a literatura está totalmente digitalizada nos seus processos, da escrita e edição à publicação.

Greg Irons, “Light Comitragies,” 1971: Fantásticos psicadélicos.

As melhores jogatanas do ano 2021 (parte 2): Uma boa e inspiradora lista de jogos de mesa/tabuleiro.

Predictive Programming: How Movies, Books, and TV Shows Predict the Future?: Calma, que a relação entre ficções especulativas e oráculos preditores é ténue. Se bem que haja pelo menos um efeito mensurável, o da polinização cruzada, com cientistas e inventores que se dedicam a dar forma a ideias que leram na ficção especulativa. 

Tecnologia



Our Universe is SO big, it's mindblowing!: Rever a lendária visualização Powers of Ten, do casal Eames, ainda hoje um fascinante exercício visual que nos permite ir da escala humana à cósmica, e à microscópica. Rever, mas com a tecnologia e conhecimentos de hoje, o que permite ir ainda mais longe nas visualizações exponenciais.

Google Drive borrará nuestros archivos si detecta algo "inapropiado": un arbitrario proceso que va más allá de bloquear archivos ilegales: O problema ético, aqui, é óbvio. Sem critérios transparentes, a Google arroga-se o direito de analisar e eliminar ficheiros privados dos seus utilizadores. Isto são reações ao potencial litigioso de legislação sobre propriedade intelectual, mas a forma difusa e pouco transparente sobre quais os critérios que determinem o que é conteúdo desapropriado, é na prática um atentado à liberdade de expressão.

Nvidia expands its Omniverse: Se querem saber onde está o futuro interessante do metaverso, esqueçam a insossosidade corporate do Facebook, e olhem para o que a Nvidia está a fazer - desenvolvendo ferramentas de criação e partilha acessíveis, com vários níveis de complexidade, que permitem criação colaborativa.

You Can Now Play Video Games Developed Behind the Iron Curtain: Vai uma dose de ostalgia, com estes jogos dos gloriosos dias finais das ditaduras do proletariado?

The road to EU sovereignty in critical technologies: O paradoxo europeu, que a UE quer resolver. A Europa investiga e inova, mas não retém os seus cérebros nem se tem mostrado capaz de capitalizar nas suas inovações, que muitas vezes são compradas por americanos. Numa sociedade em que a ciência e tecnologia são fundamentais, este investimento é uma marca de soberania.

Your attention didn’t collapse. It was stolen: Sublinhar que a dependência agressiva que sentimos face aos inúmeros estímulos tecnológicos não é uma falha moral pessoal. Antes, é um efeito de escolhas intencionais, feitas por que constrói plataformas digitais com o objetivo único de maximizar lucros. Tornar este padrão invasivo em moralismo individual é uma estratégia que nos impede de responsabilizar aqueles que conscientemente desenvolvem produtos e sistemas tecnológicos intencionalmente aditivos.

Nude Pictures on early Retro PCs — Was it Possible?: Bem, regra 34, certo? Algumas das técnicas que permitiam mostrar conteúdo gráfico nos primeiros tempos da computação pessoal, antes do desenvolvimento e implementação das normas para imagem digital.

Walmart’s 5-Year-Old Vision for the Metaverse Hasn’t Aged a Day: Um vídeo demonstrativo da visão do retalhista americano para compras em realidade virtual, já com cinco anos, anda a fazer o périplo do Twitter. Comentários sobre o pesadelo de consumismo corporate à parte (até faz a insossa visáo do facebook parecer excitante), o que é interessante perceber é como o conceito de metaverso, de mundo virtual, é exatamente igual hoje ao que era há cinco, dez ou vinte anos (sim, vinte anos, os mundos virtuais até são bem mais antigos): são os avatares low rez, as mãos desincorporadas, a réplica do real em hiperrealismo travado pela capacidade gráfica computacional, as exposições virtuais, o chat por texto/voz. Depois de sacudida a poeira da excitação inicial com os espaços virtuais, ficamos com a sensação de uma profunda falta de imaginação nas metáforas com que podemos interagir nesses espaços. Hoje, a tecnologia é decididamente melhor que nos tempos áureos do Second Life ou no pioneirismo dos chat worlds VRML. Mas tudo o resto, é o mesmo.

El manifiesto de la Web0: E se... nos atrevermos a conceber uma visão da web descentralizada, independente dos interesses e caprichos de mega empresas, ou da cripto-financialização? Tipo, a web que existia antes deste dilúvio de otimizações algorítmicas para gerar lucro?

Kiri:Moto – Free Browser Based 3D Printing, CNC, and Lasering Software: Uma ferramenta muito interessante, que através do navegador permite gerir fabricação digital em impressão 3D FDM e SLA, CNC ou corte laser.

Study: 1960 ramjet design for interstellar travel—a sci-fi staple—is unfeasible: Para enorme desgosto de gerações de fãs de ficção científica.

The Seabed Solution: O solo submarino como próxima grande fronteira de exploração de recursos. Sabemos há mais de um século que no fundo do mar se encontram materiais raros em abundância, só agora começamos a dispor das tecnologias que permitam uma mineração destes recursos.

The lost history of the electric car – and what it tells us about the future of transport: O carro elétrico, essa nova tecnologia com mais de cem anos. É fascinante ler que no dealbar da era automóvel, os veículos elétricos se vendiam mais do que os a gasolina. É também fascinante perceber o porquê do desenvolvimento do automóvel enquanto tecnologia - essencialmente, as crescentes necessidades de mobilidade e os dejetos dos animais de tiro nos espaços urbanos. Claro que o automóvel veio a causar outros problemas de poluição, que a adoção de veículos elétricos mitiga, mas não resolve por completo.

The 100 Oldest .com Domains Registered on the Internet.: Curiosos por saber quais os primeiros domínios .com? Uma lista feita de entidades históricas, muitas das quais desaparecidas, ou incorporadas em mega-corporações.

Losing Lena: É uma das imagens icónicas da história da computação, a foto da playboy dos anos 70 que serviu para calibrar alguns dos primeiros algoritmos de representação digital de imagens. Mas, será que ainda temos de depender desta imagem, e citá-la constantemente? A sua perenidade é um sintoma do sexismo na cultura tecnológica.

Usborne's 1980s range of childrens' coding books released as free PDFs: Talvez uma boa fonte de ideias para projetos de programação.

Porque falha em Portugal a protecção de dados pessoais: Do desinvestimento total na legislação sobre proteção de dados, entre o desleixo estatal e os constrangimentos legais e materiais à CNPD. E é melhor nem falar no que se passa pelos lados da educação, onde nem sequer se dão ao trabalho de dar formação mínima sobre este tema a quem nas escolas tem tarefas relacionadas com EPD.

Startup Will Store Precious Artifacts in Vault Aboard the International Space Station: Confesso que não sei muito bem como qualificar isto, se uma excelente ideia, se uma bizarria, ou se capricho para os muito ricos. Mas a ideia de usar a estação espacial para preservar artefactos valiosos é interessante, como cofres ou arquivos em órbita. Traria os seus desafios específicos, da logística aos efeitos da ausência de gravidade e radiação sobre artefactos. Mas imaginem, as pinturas multi centenárias, as esculturas milenares, os manuscritos raros das bibliotecas, preservados numa arca orbital?

Forced by shortages to sell chipless ink cartridges, Canon tells customers how to bypass DRM warnings: Diga-se que o negócio da tinta para impressoras faz os cartéis de drogas parecerem meninos. Os fabricantes pegaram no modelo gilette - vender máquinas baratas e extorquir o máximo com os consumíveis e levaram-no a novos limites, impedindo ao máximo que os clientes usem alternativas. Claro que, por vezes a realidade penetra, e ainda me estou a rir por saber que uma marca foi forçada a ensinar os clientes a dar a volta ao seu sistema de controle de impressão.

Disney Patents Virtual World Simulator That Doesn’t Require Headsets, Goggles, Or Smartphones: Parece uma ideia revolucionária, mas lendo com atenção o artigo, percebe-se que é uma variação dos velhinhos sistemas CAVE. O que não torna esta patente uma má ideia. O problema da RV e RA é a dependência de acessórios, e no caso da RV, o isolamento. Ter sistemas que nos permitam interagir com objetos virtuais minimizando a necessidade de dispositivos e sem nos isolar dos ambientes reais, é mesmo o caminho certo para que estas tecnologias sejam capazes de cumprir o que prometem.

Facebook quer que utilizadores tirem "curso" de privacidade: Isto tem o seu quê de dealer a querer educar os seus consumidores nos perigos da droga, não tem?

Developer sabota os seus projectos open-source para retaliar contra aproveitamento das grandes empresas: Só surpreende o terem demorado tanto tempo a tomar uma atitude destas. A abertura do sofftware aberto tem este problema, a facilidade com que há aproveitamento e dependência do trabalho de voluntários, mas sem que estes sejam recompensados.

José María Mellado escribió los libros de fotografía de una generación, y ahora se ha pasado al móvil: “No viene a competir, sino a darnos más libertad”: A capacidade fotográfica dos telemóveis torna-os cada vez mais aceites pelos fotógrafos, que sublinham a sua flexibilidade e, essencialmente, a acessibilidade. Ao contrário da máquina fotográfica, o telemóvel está sempre por perto, e permite captar o instante. Claro, não basta apontar e disparar, há que pensar nas imagens que se quer produzir, e é interessante ver cada vez mais guias de estética fotográfica que olham para o potencial do telemóvel.

Modernidade


Difference Machines: Um olhar artístico sobre as concepções sociais que estão por detrás dos desenvolvimentos tecnológicos e das tecnologias de que nos tornamos dependentes no nosso dia a dia.

How Britain Falls Apart: Uma visão desoladora do futuro próximo do Reino Unido, que no pós-brexit se aproxima cada vez mais da desagregação, do seu fim enquanto identidade histórica. 

‘Belly dance is being hidden in Egypt’: the performer hoping for Unesco heritage status: Este artigo sublinha perfeitamente o paradoxo dos conservadorismos, que reprimem exatamente aquilo que mais lhes desperta as pulsões.

Too woke to travel write?: Sobre o declínio da literatura de viagens, com muitos fatores possíveis, da sensação que num mundo interligado por aviões e acessível por redes sociais já não precisamos de ler as impressões de quem viaja, à ideia que há um legado de europeísmo colonialista na figura do viajante que parte à descoberta dos povos e territórios exóticos. 

The impossibility of choosing a favourite World War II aircraft: Totalmente de acordo. A variedade e diversidade é tão grande, que é impossível de escolher.

Una bastante acertada predicción del futuro de dentro de 100 años realizada por W.L. George en 1922: Tenho um gosto especial em descobrir antigas futurologias; não por considerar que foram espantosamente prescientes ou tiros ao lado, fazer especulação séria não é uma atividade oracular. Mas para perceber que tendências de hoje já eram visíveis no passado. Por exemplo, esta: "No habrá más humos por la desaparición del carbón, quizá incluso del tabaco", não é o futuro onde já vivemos, mas com os esforços de redução das emissões carbónicas na economia e de restrição ao tabagismo em saúde pública, é algo que também nos caracteriza.

against shock: À partida, este interessante ensaio a desmontar a cultura de rebeldia artística parecia-me de desconfiar. A capacidade da arte em inquietar é das suas mais importantes qualidades. Mas há choques e choques, há o choque verdadeiramente transformativo (pensemos cubismo e a sua radical forma de redescobrir o ato de ver), e o publicitário, o chocar por chocar, para despertar a atenção, que tem caracterizado as culturas, quer erudita quer pop, nos tempos mais recentes.

How Fake Spies Ruin Real Intelligence: A ficção sobre espionagem e os seus efeitos ruinosos. Não só faz o trabalho de espião parecer mais aventuroso do que realmente é, mas (e aqui o real problema), a ficção advoga demasiadas vezes meios violentos, perigos irreais e tortura como essenciais. Algo que na verdade, anda longe daquilo que os agentes secretos devem fazer. Tem piada, a história de um alto responsável da CIA que tentou falar com os criadores da série 24 (um exemplo perfeito da glorificaçáo da tortura) para deixarem de exagerar tanto.

Oh, 2022!: Charles Stross a antever o que virá por aí, e não em modo otimista. Entre as predações do late stage capitalism (Stross é mais direto e chama-lhe de cleptocracia) e as alterações climáticas, a coisa não está brilhante. Interessante a observação demolidora que faz sobre a transição energética nos transportes - se cerca de um terço do tráfego marítimo é transporte de petróleo para combustíveis, imaginem o que acontecerá a muito curto prazo com a extinção acelerada dos veículos a motor de combustão, entre outros impactos económicos e sociais. Mas talvez a mais arrepiante observação tem a ver com a pandemia: sim, podemos temer super-variantes arrasadoras (e pode acontecer, especialmente dada a desigualdade na vacinação global, que praticamente garante terreno fértil às mutações virais); mas talvez a pior perspetiva seja a endemia, a certeza de que todos, eventualmente, venhamos a ficar contaminados, arriscando-nos aos efeitos do covid longo.

PRIMEIRO ALERTA AÉREO DA NATO EM 2022 FOI PORTUGUÊS [M2284 - 1/2022]: Uma curiosidade, que nos dá um vislumbre sobre a intensa atividade de infraestrutura invisível que sustenta o tráfego aéreo.

The Art Movement That Embraced the Monstrous: Recordar o Surrealismo, sob a perspetiva do monstruoso, ou, em bom rigor, do fascínio elegante pelo grotesco.

«A maior dificuldade é manter os temas relevantes quando o factor trending desvanece»: O hacktivismo tem o seu lugar, talvez pela forma como consegue despertar as atenções usando as redes sociais. Mas por si só, não resolve nada. Não basta fazer clic e partilhar, é preciso arregaçar as mangas e ir para o terreno, se queremos realmente mudar o que sentimos serem problemas.

Maryam Shahi: “Vi pessoas morrer à minha frente”: Lembram-se do Afeganistão? Pois. Bem me parecia. Longe dos olhares mediáticos, longe da memória.