domingo, 23 de janeiro de 2022

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Esta semana, destacamos o final literário de The Expanse, o conselho municipal de Scarfolk e as contas offshore na Culatra. Olha-se para a suposta incompetência digital dos docentes portugueses, dilemas éticos da digitalização 3D, e um projeto avant garde de computador pessoal soviético. Reflete-se sobre arquiteturas de bunkers, o poder da sátira e a necessidade do ócio. Outras leituras vos aguardam, nas Capturas da semana. 

Ficção Científica e Cultura Popular


Chris Marker: Recordar um dos mais estetas entre os cineastas franceses, um mestre da manipulação de pontos de vista e busca de imagens inquietantes.

The Best Books We Read in 2021: Os livros que apaixonaram a redação da New Yorker. Propostas interessantes, mesmo para aqueles que como eu são insensíveis à literatura mainstream.

What Actually Makes People Smarter Isn’t Doing A Bunch Of Brain Booster Puzzles: Bem, nada de realmente novo aqui. O interessante é o artigo observar que a inteligência reforça-se em construção social. Traz à mente o trabalho pioneiro de Lev Vygotsky, especialmente no que toca à dimensão social e colaborativa da aprendizagem.

Mission Unknown: Há que admirar os capacetes, que se ajustam às tiaras. 

"Plan C" (1979): Distopia hilariante. O Scarfolk Council é um projecto new media de horror, que se dedica a cruzar os modos de discurso político-social dos anos 70 com as tropes do terror.

Para Sempre... Interminável: Este é um daqueles clássicos do cinema fantástico, que está a ficar esquecido por não ser um franchising disneyficado. É interessante descobrir a ligação entre este filme, a clássica série televisiva Space: 1999 e Star Wars, através do excecional trabalho de efeitos especiais práticos.


1976 Colin Hay art from “Visions Of The Future,”: Ruínas do retrofuturo.

Leviathan Falls, un digno y agridulce fin a The Expanse: O fim de uma das mais brilhantes séries literárias de ficção científica dos últimos tempos. Sublinho o artigo, quando acabei a minha leitura deste último tomo de The Expanse, confesso ter ficado triste.

Here's What to Expect From the Firefly Reboot From Disney+: Como browncoat assumido (fã de Firefly, para os não entendidos na matéria), não fico nada contente com este reboot anunciado. Parte do encanto desta série está no ter sido cancelada. Os episódios que pudemos ver são divertidos, com um trabalho fantástico dos atores, um mundo ficcional sólido, e uma assumida space opera western. O cancelamento significa que a série não se prolongou até à exaustão, como tantas outras. Ainda por cima, ter a Disney atrás disto significa que alguns dos elementos mais adultos da série vão ser de certeza modificados, algo que diz que a verdadeira natureza de uma personagem como Inara não se coaduna com a pureza da Disney. Um regresso à série tem sido o sonho da comunidade de browncoats (ver acima); temo que pelas mãos da Disney, esse sonho se transforme num pesadelo meloso, longe dos elementos que tornaram o original tão interessante.

The Twelve Sisters of the Never-Ending Castle (2021) Manga Review – Guts in Knots: Tenho uma relação estranha com Shintaro Kago, a sua estética é repulsiva, mas o seu traço sedutor. O seu mais recente trabalho parece ser uma epítome do seu estilo, chocante. Um autor que não é para todos, é preciso ter estômago forte para o ler.

Vilão que é Vilão, tem Contas Offshore na Ilha da Culatra: Não prestei muita atenção ao fenómeno Pôr do Sol, em grande parte por ser um snob que não vê televisão. Vi alguns dos episódios no RTP Play, fiquei fascinado pelo puro nonsense e a capacidade dos atores em pronunciar os maiores absurdismos com o ar mais sério do mundo. 

Tecnologia

Professores portugueses precisam melhorar competências digitais: Confesso que li os resultados do estudo em pausa para almoço, muito na diagonal, e fiquei incomodado com o pendor exclusivamente numérico da análise aos Check In. Fiquei logo a pensar que o estudo ia alimentar títulos sensacionalistas a sublinhar a incompetência digital da classe docente. Não me enganei, este não é o único artigo a falar disto neste género. Algumas notas: este estudo advém da análise de dados dos questionários Check In, elaborados com base no quadro de competências digitais europeu, que os professores foram obrigados a preencher no ano passado. Obrigados não é a palavra certa, quem não o quisesse preencher não preenchia, apenas ter feito um check in é condição obrigatória para se frequentar formação em competências digitais que, no âmbito do programa escola digital (que está a distribuir computadores de qualidade duvidosa aos alunos), serão a esmagadora maioria da oferta formativa para professores, que são obrigados a frequentar formações para efeitos de avaliação (ou seja, é obrigatória de facto embora não de jure). O Check in não avalia as competências digitais dos professores, o uso da tecnologia não é o seu âmbito; avalia a forma como os professores tiram partido das tecnologias na sua prática. E é aqui que a coisa começa a ficar incerta. É errado tirar conclusões sobre incompetência digital de toda uma classe, quando esta é muito diversa. Para muitos professores, usar meios digitais pode nem sequer fazer sentido no âmbito das suas disciplinas (eu, que lecciono TIC, tenho aulas em que os meninos não tocam em qualquer tecnologia). Mas para além disso, há a assinalar a inexistência quase total de condições para o desenvolvimento de atividades com tecnologia nas salas de aula portuguesas, de norte a sul (e ilhas). Perguntar aos professores se desenvolvem atividades integradoras de tecnologias na sua prática letiva, quando na esmagadora maioria só dispõem de um computador com 15 anos ligado a um projector (isto, quando funciona), e uma rede wifi com tantas restrições que até impede o assistir a uma vídeo transmissão do próprio ministério da educação via YouTube (parece um sketch de humor pateta, mas não, isto acontece regularmente),e esperar que respondam nos níveis superiores de desempenho, é desonestidade intelectual. Ou melhor, o aproveitamento destes resultados para apontar a incompetência tecnológica dos professores é desonestidade intelectual, replicada por vários blogs e jornais. O check in é uma ferramenta, com um contexto: analisar o nível de integração digital dos professores antes do início do Escola Digital, sendo seguido de outras análises, à medida que as escolas forem sendo dotadas das condições técnicas, especialmente computadores para os alunos, que permitam realmente desenvolver atividades lectivas com o digital. Quanto às histórias episódicas sobre a incapacidade de alguns em coisas elementares, deixem-me dizer-vos que, como coordenador técnico de uma escola há mais de 15 anos, já assisti a calinadas suficientes para encher uma enciclopédia (algumas dadas por mim). Mas não são as calinadas e supostas incompetências que caracterizam a atitude da esmagadora maioria dos professores face à tecnologia. Pelo contrário, é curiosidade e vontade de descobrir. A atitude será sempre cautelosa, por muitas razões. Introduzir tecnologia pode não fazer sentido no seu contexto letivo. Mas, essencialmente, são os anticorpos adquiridos com décadas de quase total falta de condições técnicas, de investimento praticamente inexistente em meios digitais para as escolas. Curiosamente,  este estudo tão citado até conclui que as competências digitais dos docentes portugueses estão em linha com a média europeia.

Google is building a new augmented reality device and operating system: Anos depois do Google Glass, dispositivo pioneiro de realidade aumentada, e do Project Tango, um ambicioso projeto de tirar partido de sensores 3D em telemóveis Android, a Google vai... criar o que já criou? Algo irritante nesta empresa é forma como se desinteressa de projetos muito promissores, de um momento para o outro.

More on Roblox's exploitation of children: Um dos grandes pontos de interesse no Roblox é permitir que os seus utilizadores criem os seus jogos e ambientes, dispondo de um mercado virtual interno para que os seus utilizadores compram e vendam recursos. Confesso que nunca tinha visto isto sob a perspetiva do aproveitamento do trabalho infantil, mas de facto, a esmagadora maioria dos criadores na plataforma Roblox, são crianças e adolescentes, que recebem dinheiro virtual em paga do seu meticuloso trabalho de criação.

AI-Powered Robot Could Help Rebuild Pompeii’s Ancient Frescos: Como acelerar o meticuloso trabalho de deteção, catalogação e reconstrução de vestígios arqueológicos? A robótica e a inteligência artificial poderão dar uma ajuda nisso.

The Hidden Heroines of Chaos: A teoria do caos nasceu com o trabalho de Konrad Lorenz, mas este não seria possível sem as capacidades de programação de duas mulheres: Ellen Fetter, e Margaret Hamilton, que mais tarde viria a ser responsável pelo código da Apollo 11. Esquecidas pela história da ciência, embora Lorenz as tenha creditado nos seus artigos.

‘He touched a nerve’: how the first piece of AI music was born in 1956: Desconhecia de todo, isto. Uma composição criada por algoritmos, no final dos anos 50, nos primródios da era digital e na incipiência da inteligência artificial. O trabalho de Hiller foi o primeiro a explorar a geração de música por algoritmos, usando o computador para gerar partituras interpretadas por músicos humanos. Vale a pena descobrir, pelo lado tecnológico e histórico, mas também porque a música é interessante.

Japanese billionaire visits the International Space Station: Mais um passo na normalização do turismo espacial, embora, claro, seja um tipo de viagem inacessível à maioria de nós. 

Welcome To Selfie Wrld – Unique Pix That Aren’t: Pensava que isto já não era "uma cena" - espaços decorativos criados expressamente para gerar imagens instragamáveis. Aparentemente, é, e porque o inconsciente coletivo rula, poucos minutos depois de ler este artigo levei com um anúncio a um restaurante lisboeta numa rede social. O principal apelo do local? Ser instagramável, por ter aquele tipo de decoração retro-hipster. Pessoalmente, ainda sou daqueles que prefere ir a um restaurante pela qualidade da comida e não da fotografia, mas devo estar a ficar velho resmungão.

Jet-Powered Robot Prepares for Liftoff: Um robot com motores a jato capaz de voar? Porquê? Mas, pensemos bem, isto é tão fascinante, são mesmo precisas razões?

Print books beat tablets when reading to toddlers: Antes de começarem a agitar a bandeira da superioridade do livro físico sobre o digital, recordo-vos que já bandos de miúdos normalmente impossivelmente irrequietos a ficarem em trance, ouvindo um contador de história, agarrados pelo poder da voz humana. Um livro digital é um meio de leitura útil, que torna os livros mais acessíveis. E um livro tradicional, objeto físico, é algo que nunca cessa de fascinar. Tudo bem, há espaço para tudo.

Could 3D Scanning Further Complicate Art Repatriation?: A digitalização 3D é uma enorme vantagem para o mundo artístico. Permite novas formas de estudar artefactos, dá a oportunidade a de mais pessoas os conhecerem, em formato digital. E ainda permite remisturas nas estéticas dos new media. Algo que não agrada muito a alguns, como se denota nesta leitura. O argumento aqui é o choque com a apropriação cultural, como se a única leitura possível de uma obra fosse no seu substrato cultural de origem, num ideal de pureza onde a inacessibilidade do objeto artístico ao olhar do comum mortal parece ser o desejável, sob o argumento do colonialismo cultural. Sob esse ângulo, é de observar que a digitalização 3D está a ser fundamental para preservar património cultural localizado em zonas de conflito. No caso da Síria, os scans 3D são o único vestígio de locais arqueológicos arrasados pelo gentil toque da ignorância talibã. É também divertido ler o medo expresso pelas transformações trazidas pela remistura digital, novamente tendo subjacente uma ideia de destruição da pureza original. Não que o problema da apropriação indevida de artefactos culturais transladados das suas origens seja de menorizar; boa parte do espólio dos grandes museus é constituído por peças adquiridas de formas muito obscuras (os mármores do Pártenon são o exemplo mais conhecido disto). Pessoalmente, sinto o oposto, creio que a remistura via digital é uma excelente forma de interpretar a arte mais clássica. Recordo um exemplo, em que participei, e certamente chocaria os autores deste artigo: uma reprodução gigante do busto de Nefertiti, impresso em 3D, feito a partir de centenas de pedaços multicolores impressos por uma vasta rede de makers, cada qual contribuindo com a impressão de um ou mais segmentos. A escultura foi montada na conferência Fab15, que decorreu no Cairo (eu não fui, meti as impressoras 3D da escola a contribuir para a ajuda dada pelo Lab Aberto, que esteve presente no evento). Aproveitei e imprimi um busto só para o deixar na minha biblioteca, que levo comigo em workshops de impressão 3D para mostrar os potenciais educativos da tecnologia. Claramente, um ato de colonialismo cultural.

Why Are DeepFakes So Morally Unsettling?: É uma tecnologia que se banalizou, e no entanto, tem um lado repulsivo, talvez pela forma como manipula a nossa expetativa da imagem humana.

Portugal implantó los peajes en autovías en 2010: cómo funciona allí y qué podemos aprender desde España: Agora que Espanha se prepara para implementar portagens nas suas tradicionalmente gratuitas vias rápidas, olham para o nosso exemplo de integração tecnológica. Que só tem um defeito, o obrigar a usar meios electrónicos para se poder circular sem problemas nessas vias. Pessoalmente, nunca aderi à via verde, o que me obriga a alguma ginástica navegacional em zonas onde mal há alternativas às antigas Scut.

China’s AI giant SenseTime postpones IPO after US blacklisting: Isto até soa injusto, até nos recordarmos que a SenseTime tem sido das empresas tecnológicas chinesas mais envolvidas na repressão em Xinjiang, desenvolvendo ferramentas de vigilância utilizando Inteligência Artificial. As mesmas tecnologias e know-how que traz agora aos mercados globais.

Who Owns the 3D Scans of a Famous Venetian Church?: A digitalização 3D é um campo minado no que toca à propriedade intelectual. Quem pode reclamar direitos sobre uma digitalização? É curioso notar que a reposta aparentemente mais óbvia - quem a executou, não é a correta, porque fazer uma digitalização é uma operação meramente técnica. Nos domínios artístico e comercial, esta tecnologia levanta questões. 

This x Does Not Exist: Um site dedicado a recolher sites que se dedicam a mostrar imagens aparentemente reais, mas geradas por GANs.

Project SPHINX – When the USSR tried to change the personal computer forever: Fabuloso, este projeto soviético de informática de consumo, antecipou muitas das tendências da informática que hoje usamos. Concebido num instituto de design russo, nunca saiu do papel, entre as questões tecnológicas e o colapso do regime soviético.

Lojas de peças usadas vítimas de abuso de copyright: Não há aqui grande surpresa. Há sempre alguém disposto a fazer lucro fácil com abuso da legislação sobre direitos de autor.

Adobe launches Creative Cloud Express, an update to Adobe Spark: Cada vez mais, trabalha-se em ambientes pós-pc, em dispositivos móveis ou web apps. O software da Adobe torna-se mais acessível nestes meios, talvez em reação às inúmeras ofertas de apps e web (pensemos Snapseed, esse poderoso editor de imagens para Android, ou a popular ferramenta de design na web que é o Canva).

Modernidade


The Atlantic Wall: The Architecture of Death in Photos: Rever as defesas nazis da hoje vestigial muralha do Atlântico, construçóes militares com uma curiosa estética pré-brutalista, que inspirou Paul Virilio a escrever o seu Bunker Architecture.

Science: Why Doing Nothing Is Essential To Creativity: Há uma certa ironia nesta ideia de que devemos valorizar o ócio, o parar atividades direcionadas para deixar a mente vaguear, porque isso nos torna mais... produtivos.

On the Persistence of the Non-modern: Se o modernismo define o lado mais vanguardista, a sua ausência, conservadora e tradicionalista, também é uma tremenda força cultural.

O peso da sátira no desperdício da obra feita: Um intrigante confronto, que só poderia vir de alguém como Edgar Pêra. Descrever os feitos da grande arquitetura erudita pelo olhar da cultura pimba. Sátira, que nos mostra o quanto estes dois extremos se tocam. Por um lado, a pompa rarefeita da alta cultura erudita, que se compraz em ser inacessível, algo que não tem na maioria das pessoas o esperado efeito de veneração, mas sim o de rejeição. Por outro, a cultura popularucha que faz ostentação da sua ignorância e do gosto pelos seus modos culturais específicos, uma ignorância que parte de um sentimento de exclusão face às culturas mais tradicionais.

Tribal communities are facing a new threat: Instagram: Não pelo lado de normalização cultural, com a perda de culturas tradicionais face à influência dos estilos culturais patentes no Insta. É algo mais simples. A partilha de fotos de recantos pitorescos, à partida algo bom, porque divulga culturas e geografias, pode traduzir-se num excesso de turistas, e até vandalismo. Percebo perfeitamente isto, em muitas das minhas deambulações, opto por não partilhar recantos que encontro por saber que o passa a palavra pode significar que, quando lá voltar, o recanto pode já não estar tão tranquilo e isolado.