quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Leviathan Falls


James S.A. Corey (2021). Leviathan Falls. Nova Iorque: Orbit.

Leitor inveterado que sou, já não deveria ficar comovido com o final de um livro. Mas confesso, senti-me comovido ao chegar ao final deste livro. É um fim, assumido, de uma longa história e de uma série. E um fim que tem a coragem de ser um final infeliz, marcando as personagens com que criámos empatia ao longo dos anos em que as suas aventuras foram publicadas. A série Expanse sempre teve um final anunciado, algo que achei interessante. Nesta era de monetização de conteúdos culturais, a tendência é o oposto, o espremer ao máximo uma série que atraia o público. Walking Dead, que se arrastou ao absurdo nos comics e alimenta séries televisivas repetitivas, talvez seja o exemplo máximo dessa tendência. Expanse seguiu o caminho inverso, um arco narrativo definido com um início, e um ponto final. Leviathan Falls é o seu ponto final.

Com fim que é, o livro conclui as aventuras de James Holden e a restante tripulação do Rocinante, sempre envolvidos, por acidente e por incapacidade de cruzar os braços, no centro das intrigas que se sustentam da expansão humana, primeiro pelo Sistema Solar, agora pelos milhares de sistemas acessíveis através da tecnologia alienígena que criou um enorme nexo interdimensional nos limites do sistema. Essa tecnologia, o mistério dos seus criadores, as razões do seu desaparecimento, a eventual ameaça que representam as forças capazes de exterminar civilizações avançadas, tem sido um dos temas de fundo da série, embora os seus livros se tenham centrado mais nas aventuras da tripulação, sempre metida nos jogos de poder interplanetários. Neste, inevitavelmente, assume o primeiro plano. 

Continuando o livro anterior, encontramos Holden e os seus companheiros em fuga. Os sistemas colonizados pela humanidade estão sob o jugo imperial de uma das colónias, cujo líder incentivou a experimentação com as tecnologias alienígenas exóticas para desenvolver armas imbatíveis e, com um militarismo draconiano, forçar a restante humanidade a aceitar o seu domínio. A experimentação com as tecnologias não se restringiu ao domínio militar, e este ditador deu carta branca a um investigador sem ética para experiências biológicas em humanos, aperfeiçoando biotecnologias alienígenas que poderão conferir imortalidade ao ditador. Mas, quando se experimenta com forças para além da nossa compreensão, o impensável acontece, e o ditador fica reduzido a um estado catatónico vegetativo. Que se altera de repente, quando acorda, e desaparece sem deixar rasto.

O império esforça-se por manter a imagem de coerência, o segredo do destino do seu ditador, e combater os rebeldes que lhe ousam fazer frente, liderados pela companheira de Holden. Entretanto, a humanidade começa a ser assolada por estranhos acontecimentos, paralisações súbitas, sistemas inteiros que morrem ou perdem a ligação interestelar. As forças que aniquilaram a civilização que construiu os portais interestelares estão a mover-se, a reagir contra a reativação desta tecnologia. Em parte, o império foi uma resposta de mobilização contra essas forças, e a sua extensão lógica está no destino do ditador: com a sua biologia modificada pela tecnologia alienígena, torna-se parte desta tecnologia, e começa a manipulá-la para gerar uma nova humanidade, uma super mente-enxame em que o indivíduo se dilui. Travá-lo implica resolver o problema das ameaças que pesam sobre a humanidade. E para o travar, será necessário um sacrifício, alguém que também injete a tecnologia alienígena no seu corpo, tornando-se parte integrante dos sistemas que controlam os portais. Sem querer entrar em demasiados spoilers, digamos que uma das personagens por quem mais torcemos para que tenha um final feliz, um merecido descanso das suas lutas ao pé daqueles que ama, será a que se sacrificará para o bem de todos (analisando a história, este final é lógico, em todos os livros esta personagem sempre se distinguiu pelas suas ações altruístas). O sacrifício é mais do que pessoal, é civilizacional. A única forma de salvar a humanidade, dispersa por milhares de sistemas solares, é colapsar o nexo de acesso. Condenar os sistemas mais frágeis à extinção, para garantir a sobrevivência das colónias mais avançadas, e do sistema solar. Agora irremediavelmente isolados, sem os atalhos interdimensionais que os ligavam.

Um final amargo a todos os níveis, com sacrifícios, com os principais personagens dispersos e sem a possibilidade de um futuro comum. Um final que encerra irremediavelmente a história, é verdadeiramente definitivo. Apenas aliviado por um discreto epílogo, passado no futuro deste futuro, com uma expedição vinda de uma das antigas colónias que, tendo desenvolvido tecnologia capaz de ultrapassar as vastas distâncias espaciais, está agora a voltar a interligar a diáspora das colónias humanas. E, quando estes distantes filhos regressam ao berço da humanidade, terão uma curiosa surpresa. Mas este epílogo é mesmo isso, um parágrafo adicional que suaviza o final, e não um ponto de partida para novas histórias.

A série literária The Expanse sempre se caracterizou pelo sopro de ar fresco que injetou no género Space Opera. Arrojada, bem concebida, equilibrando a plausibilidade científica com necessários voos especulativos, e essencialmente divertida. Foram nove livros escritos com um ritmo marcante, nove livros que agarram da primeira à última página, daqueles que se leem sem parar até ao final. Obras repletas de aventuras e intrigas, de visões fabulosas da expansão humana pelo espaço. A série televisiva faz-lhe muita justiça. Um longo arco narrativo que termina, num final duplamente amargo, pela forma com encerra as histórias, e porque os leitores sabem que os livros terminaram aqui. Já não podemos esperar com ansiedade um novo livro da série.