Yaa Gyasi (2020). Trascendent Kingdom. Nova Iorque: Knopf.
O poder das heranças culturais nos traumas da personalidade. A protagonista deste livro tocante é uma cientista, reservada e algo distante nas suas relações sociais, que se dedica a investigar os mecanismos fisiológicos cerebrais da adição. O porquê de ser como é é uma resposta muito complexa. A aparentemente fria cientista traz consigo o peso de diferentes heranças culturais. É uma mulher negra na América, coisa que sabemos que é em si problemática, e emigrante de primeira geração, nascida de pais emigrados do Ghana. Este conflito entre duas culturas, a sobrevivência difícil na América e o pouco conhecimento das raízes ghanianas, é amplificado pela forte religiosidade sulista. A família sempre pertenceu a congregações cristãs, e com isso vem o peso da religiosidade, dos seus modos e comportamentos.
Mas os maiores conflitos são os pessoais. Há a relação estranha com a mãe, uma mulher que mudou de continente em busca de um futuro melhor, mas perdeu o marido, que nunca se adaptou à vida na América. Há o omnipresente racismo, que se manifesta de forma muitas vezes discreta, mas é um ruído de fundo contínuo. Na história de vida da cientista, o principal trauma, o que lhe determina a forma como se relaciona com os outros e, em larga medida, a sua carreira, é a morte prematura do irmão mais velho. Ele, também, um jovem entre dois mundos, que se destacou como atleta, e na sequência da recuperação de uma lesão ficou viciado em opiáceos. A dependência irá levá-lo à morte por overdose, a tragédia que define a família. Um livro tocante sobre raízes, culturais e pessoais, e a forma como lidamos com elas.