terça-feira, 17 de agosto de 2021

2034: A Novel of the Next World War


Elliot Ackerman, James G. Stavridis (2020). 2034: A Novel of the Next World War. Penguin Press.

O género guerra futura é toda uma vertente da ficção científica, mas não só, também alimenta outras vertentes, como ficção politica e ideológica. Este 2034 insere-se claramente no segundo campo. Parte de uma especulação muito tida em think tanks e instituições académicas, o como seria uma guerra entre as duas potências globais do século XXI: os vetustos e algo decadentes E.U.A., e a ambiciosa China. O livro é escrito a duas mãos, com um dos autores sendo um almirante americano na reforma, o que à partida indica que por detrás das premissas da obra estão reflexões que refletem a experiência prévia do militar. 

Spoiler: quem ganha a guerra no final é... bem, a India. Perdoem o spoiler (ou não, é-me indiferente), mas tinha de o fazer para mostrar que este livro segue caminhos inesperados. A história do possível conflito mede-se por passos mal calculados, que ameaçam colocar o mundo à beira de um holocausto nuclear. Começa no habitual jogo do gato e do rato nos mares da China, com as forças chinesas a procurar expandir constantemente a sua zona de domínio, onde uma pequena força americana, ao intervir no que aparentemente é um acidente com uma traineira, se depara com operações militares, e nos céus do Irão, onde um teste a um módulo stealth instalado num F-35 corre muito mal. Na verdade, os incidentes aparentemente separados fazem parte de um elaborado plano chinês para despertar um incidente internacional que, esperam, se fique pelo brandir de espadas seguido de recuos no terreno, para evitar uma guerra com tiro real. Não é isso que irá acontecer, quando a comandante americana no terreno resiste às intimações chinesas, o que leva ao afundamento da sua pequena frota.

Apesar dos militares chineses evidenciarem uma capacidade de ciber-guerra insuspeita, capaz de paralisar os mais sofisticados sistemas de armas americanos, Washington decide escalar a situação, enviando dois porta-aviões  para a zona, em clara ação punitiva. Os resultados são desastrosos, a combinação de poder militar clássico de um grupo de porta-aviões chinês com ciberarmas e ataques dirigidos por inteligência artificial consegue o impossível, o aniquilar da frota americana. O tema da sobre dependência militar americana da tecnologia digital é bastante explorada neste tipo de livros, geralmente sob o ângulo da vulnerabilidade dos sistemas perante ciberataques - Ghost Fleet, de P.W. Singer, por exemplo, baseia-se totalmente nessa ideia. 

Segue-se uma escalada de violência. Uma intervenção russa corta os cabos submarinos que sustentam a internet americana, o que é interpretado como mais uma agressão chinesa, e leva o governo americano a retaliar com  um ataque nuclear tático sobre uma base naval chinesa, destruindo uma cidade. A resposta chinesa passa pela invasão de Taiwan e arrasa duas cidades americanas com armas atómicas, e a resposta americana faz pairar a ameaça da destruição sobre três cidades chinesas. Esta estratégia de troca de armas táticas ameaça ir às armas nucleares estratégicas, numa espiral de retaliação mútua que parece imparável, porque pará-la, implica aceitar a derrota na guerra, algo que os governos chinês, que percebeu que se meteu numa alhada mas não consegue sair dela, e americano, onde elementos adeptos da violência estão em lugares de poder, recusam. 

O travão é colocando por uma intervenção indiana, que ataca simultaneamente chineses e americanos de forma cirúrgica, destruindo a indetetável e poderosa frota chinesa que representa a sua mais potente arma, e os aviões que carregam as armas nucleares do ataque retaliatório americano que ameaça destruir três cidades chinesas. A intervenção indiana, que também se faz no domínio da diplomacia de alto nível, coloca um travão na guerra. Os caças indianos não conseguem destruir uma das aeronaves, cujo piloto desconhece as ordens para suspender o ataque, e a cidade ce Xangai será a última vítima de uma guerra onde dois gigantes se enfrentaram, mas nenhum vence. Em paralelo, há conflitos oportunistas, com a Rússia a invadir a Polónia para assegurar um corredor terrestre para Kaliningrado, e a falhar uma operação militar para ocupar ilhas iranianas no Estreito de Ormuz, e com isso controlar o fluxo global de comércio. O livro termina com uma nova potência a ocupar o espaço político ocupado pela América e pela China, com a India a exigir a transferência das Nações Unidas para Bombaim como contrapartida para ajuda financeira a uns Estados Unidos arruinados pela guerra,

Devo confessar que este foi daqueles livros que mal consegui parar de ler. Não pela qualidade literária, é o tipo de escrita da literatura comercial, ou por qualquer empatia com os personagens, escritos com a profundidade do mais fino papel. O que cativa neste livro e, diria, neste tipo de livros, é o perceber como se movem as peças do jogo mental especulativo, comparando-as com o corrente estado das coisas. Intriga, também, pela percepção americana de si própria como fraca, vulnerável e no ocaso do seu poder global, bem como pela visão de um conflito global como algo que nunca terá vencedores claros, apenas derrotados, com um enorme desperdício de vidas, meios militares, e um abalo tremendo na economia global. Houve dois pormenores no livro que estranhei. Logo no início, sabendo que os chineses são capazes de cegar e controlar as armas americanas, não faz muito sentido enviar uma task force sem rever as ciberdefesas; e no tabuleiro global, não há qualquer menção ao papel da União Europeia, o que se estranha  ainda mais quando os autores colocam as ambições russas no tabuleiro do seu jogo especulativo. O foco do livro está num "e se" centrado num hipotético conflito na região Ásia-Pacífico, mas com repercussões globais, o que torna bizarra esta omissão. 

É de recordar que a ficção especulativa militar e geoestratégica de curto prazo sempre fez parte da ficção científica, sendo apropriada por outros géneros. Uma forma de analisar o momento contemporâneo é projetar um conflito entre potências num futuro próximo, e os tempos da guerra fria foram profícuos nisso, com obras literárias e fílmicas que anteviam uma possível guerra nuclear global. Diga-se que as suas visões dantescas, felizmente nunca concretizadas, desempenharam um papel na formação da opinião pública ocidental. Hoje, estas ficções olham para as tensões entre os poderes contemporâneos, e especulações sobre uma guerra sino-americana são o grande tema a explorar.