Box Brown (2016). Tetris: The Games People Play. Londres: SelfMadeHero
Uma história sobre o confuso processo de licenciamento do jogo Tetris, que na verdade é um elegante ensaio sobre o fascínio que o jogo exerce sobre nós. O foco do livro está na história da criação daquele que é talvez o jogo mais jogado de sempre, criado por Alexei Pajitnov na Moscovo dos últimos anos do império soviético. Um projeto de instinto, desenvolvido de forma informal para trazer para o digital o fascínio do seu criador pelo ato de jogar, e que se foi disseminando de uma forma que hoje diríamos viral, até chegar ao ocidente. Aí, o mundo dos negócios entrou em cena, e aqui o livro detalha o longo e complexo processo, desde negociatas entre empresas à inabilidade soviética em negociar contratos, algo que os burocratas depressa aprenderam. E, em tudo isto, o criador sem ser recompensado pela sua criação (tal só se tornou possível após a queda da URSS, quando os direitos de autor deixaram de ser pagos aos fundos estatais.
Mas não é a história das desventuras e jogadas económicas (ou seja, na verdade outro tipo de jogos) à volta do Tetris que fascina neste livro. São as observações muito acutilantes de Brown sobre o impulso do jogar, entre o lúdico e a abstração, a longa história dos entreténs humanos que são de facto complexas simulações, ou desafios lógicos. Ou seja, que o ato de jogar é cognitivamente complexo. E, por isso, essencial para o nosso bem estar e capacitação pessoal.
Outros pormenores que admirei neste livro: o desvio feito à história da Nintendo, aos primeiros anos como empresa especializada em jogos de cartas que, graças à visão dos seus gestores, deu carta branca a um engenheiro para criar jogos eletrónicos. Não, não se trata de Shigeru Myamoto (o livro também falará dele), mas de Gunpei Yoko, que no Japão começou a desenvolver jogos mecânicos e eletrónicos. Particularmente interessante a intuição, hoje com visão retrospetiva fácil de entender, deste engenheiro que ao ver pessoas no comboio a distrair-se com calculadoras percebeu que no futuro, iríamos ter dispositivos eletrónicos de jogo nos nossos bolsos, e daí começar a desenvolver consolas portáteis. Diria que a intuição foi ainda mais longe, hoje não há ninguém que não saia de casa sem um dispositivo eletrónico que faz muito mais do que simples jogos.
Esta banda desenhada, ilustrada num estilo muito pessoal, olha para a história do Tetris, e com isso para a história dos videojogos. Mas o que a torna interessante é a sua visão sobre a psicologia do jogo, a sua importância histórica e cognitiva, bem como a sua relação com a arte. Em suma, aquelas coisas aparentemente fúteis que nos revelam a alma humana.