Esta semana, os destaques vão para os protótios de futuros, ou as histórias do romance mais conhecido de Nabokov, autor do qual foi recentemente publicado um poema inédito sobre... o Super-Homem. Fala-se de deep fakes e nostalgia, de algoritmos que aprendem a tocar piano visualizando pianistas, ou de experiências de serious gaming que cruzam realidade virtual e fotogrametria. Descobrimos a origem da influência da Pantone, o problema emergente da neuroprivacidade, ou histórias deprimentes da Rota da Seda. Outras leituras vos aguardam, nesta edição das Capturas.
Ficção Científica e Cultura Popular
NASA artist Attila Héjja, “Tomorrow’s Air Force: Bem, em sonhos...
https://70sscifiart.tumblr.com/post/645209831458963456/nasa-artist-attila-h%C3%A9jja-tomorrows-air-force
Não obstante a possível: Vejo aqui duas coisas. O sintoma apontado pelo Luís Filipe Silva, sobre o clássico desprezo da literatura fantástica, mas também causas da falta de apetência pela leitura. Se o foco no público infanto-juvenil é essencialmente didático, falta o lado de descoberta dos interesses que estão na génese da paixão pela leitura.
http://www.tecnofantasia.com/cgi-bin/tfmaint.cgi/01/00/B1055070632/1615311026
Dylan Dog #2: O marca vermelha: Rever um Dylan Dog antigo, das suas primeiras aventuras, com Sclavi ainda a definir um personagem mas já a mostrar o seu intenso pendor para a referenciação da cultura de género.
https://outrasleiturasdopedro.blogspot.com/2021/03/dylan-dog-2-o-marca-vermelha.html
Tom King’s Vision comics are the perfect follow-up to WandaVision: Ainda me estou a rir com esta patacoada. É o que dá colocar um jornalista que, provavelmente, não lê comics a falar de uma série baseada em comics. Na verdade, é ao contrário. Foi a temporada de Tom King como argumentista de Vision que estabeleceu as ideias que a série de televisão explora. Tom King levou a extremos a dissonância de um andróide que só quer viver uma pacata vida suburbana... e para isso constrói uma mulher e filhos (leram bem). Mas não pode, porque é um Vingador e ainda há toda a história da sua relação com a Scarlet Witch.
https://www.theverge.com/22315580/tom-king-vision-comics-marvel-wandavision-suburbs
Véra Nabokov Was the First and Greatest Champion of “Lolita”: Se o romance de Nabokov era incómodo quando foi publicado, agora é ainda mais. Felizmente, as nossas sensibilidades estão mais apuradas, e todo o conceito do livro é-nos extremamente repelente. No entanto, isto não o torna um mau livro, ou digno de ser publicamente rejeitado (e quem o fizer, só prova que não o leu). Lolita está cheio de nuances complexas, entre o criminoso mas patético Humbert (sempre o vi como um personagem que na verdade nunca cresceu, até perceber a monstruosidade que está a cometer sente que está a reviver um amor de adolescência) à adolescente que é a vítima. É intrigante descobrir que a maior apoiante da obra foi a mulher do escritor, lutando contra as reticências de todos, inclusive do próprio autor.
https://www.newyorker.com/books/page-turner/vera-nabokov-was-the-first-and-greatest-champion-of-lolita
Another cover to James P. Hogan’s ‘Inherit the: Da fronteira final.
https://70sscifiart.tumblr.com/post/644938049269153792/another-cover-to-james-p-hogans-inherit-the
Snoopy #16: 1967: Pessoalmente, este tipo de coleções desagrada-me por ser, essencialmente, um desperdício de dinheiro. Acabam por sair muito mais caras do que ter alguns TPB ou obras coligidas. Cerca de 500 euros parece-me um preço elevado pelo privilégio de ter na biblioteca um alinhamento de lombadas que faz um desenho (outra estratégia de marketing que nunca percebi, mas normalmente compro livros para ler o seu conteúdo e não como objeto estético). Junte-se a isso as objeções levantadas pelo Pedro Cleto nesta análise. Mas talvez a grande questão seja, como leitor, é mesmo importante ter toda a obra completa de um autor? Excetuando no caso de estudiosos ou fãs ferrenhos. Confissão: tenho Pratt com Corto Malteses repetidos, Tintin completo, e se vivesse em Itália teria de certeza uma parede Dylan Dog, por isso percebo o impulso. Mas sempre achei que estas coleções exageravam na relação custo/qualidade.
https://outrasleiturasdopedro.blogspot.com/2021/03/snoopy-16-1967.html
Tony Roberts: Capa de uma space opera onde a tecnologia dominante é a linguagem.
https://70sscifiart.tumblr.com/post/644847450481377280/tony-roberts
Five SFF Books About Division and Separation: Algumas distopias de sociedades balcanizadas, profundamente divididas, que também servem para reflectir naquilo que na realidade nos divide.
https://www.tor.com/2021/03/02/five-sff-books-about-division-and-separation/
Prototyping a Better Tomorrow: É uma eterna discussão, será a ficção científica uma forma de prever o futuro. E bastante estéril, apresenta uma faceta muito limitada do género, mas que acaba por ser aquela que o mainstream associa. No entanto, a FC, como género eminentemente especulativo, tem ferramentas que permitem pensar no futuro. Não antever ou prever, mas sim extrapolar tendências contemporâneas.
https://slate.com/technology/2017/06/more-science-fiction-can-help-us-create-a-better-tomorrow.html
Read Nabokov’s Long-Lost Superman Poem, Now In Print At Last: Isto é um estranho achado - um poema rejeitado pela New Yorker, dos tempos em que o criador de Lolita e Pale Fire tinha acabado de chegar à América, e procurava encontrar uma voz literária adequada ao novo mundo. Uma ode sobre um super-herói parece-nos, hoje, algo de verdadeiramente geek.
https://www.the-tls.co.uk/articles/superman-returns-poem-vladimir-nabokov-andrei-babikov/
Touching the future: Um olhar para o equilíbrio dos futuros possíveis, entre as utopias da tecnologia e a sustentabilidade longeva das tradições. Uma visão que sublinha que a tecnologia por si só não é motor de progresso, necessita de ser integrada em sistemas.
https://www.griffithreview.com/articles/touching-the-future/
The Black Hole concept art, 1979, by Robert McCall: Um filme Disney algo esquecido.
https://70sscifiart.tumblr.com/post/644677597770498048/the-black-hole-concept-art-1979-by-robert-mccall
Rever Paris: Com enorme pena minha, perdi esta edição da coleção Público/Levoir, mas ainda não perdi a esperança de a encontrar numa livraria.
https://outrasleiturasdopedro.blogspot.com/2021/03/rever-paris.html
Tecnologia
The Intelligent Life of Droids - Issue 98: Mind: Deveremos tratar os robots com empatia? Claro que essa questão, hoje, coloca-se nos domínios da especulação, mas relaciona-se com a questão das emoções e sua simulação. Poderá o simulacro programado de emoções ser equivalente à emoção que sentimos? E... será que as emoções que sentimos não são mero resultado de estruturas de programação biológicas e psicológicas?
http://nautil.us/issue/98/mind/the-intelligent-life-of-droids
Deep Nostalgia: entre o engraçado e o assustador, a importância da contextualização: O Shifter fez o trabalho de casa e analisou a fundo o Deep Nostalgia, a app deepfake que anda a encantar a internet. Especialmente, olha para as práticas de segurança e privacidade da empresa de genealogia que disponibilizou esta app. Olha também para a questão do desenvolvimento de tecnologias invasivas de reconhecimento facial. Fico com a suspeita que esta app faz mais do que cativar eventuais clientes para serviços de genealogia. Todas aquelas fotos antigas dão um excelente modelo de treino para algoritmos de reconhecimento facial capazes de identificar rostos a partir de fotos, com a vantagem de serem capazes de perceber as mudanças na topologia facial causadas pela idade.
https://shifter.sapo.pt/2021/03/deep-nostalgia-entre-o-engracado-e-o-assustador-a-importancia-da-contextualizacao/
Visible Touch: How Cameras Can Help Robots Feel: Intrigante. Este estudo aponta para o potencial das câmaras para complementar sensores hápticos com inteligência artificial, dando aos robots uma melhor percepção de toque.
https://spectrum.ieee.org/tech-talk/robotics/robotics-hardware/visible-touch-cameras-robots-feel
‘Audeo’ teaches artificial intelligence to play the piano: Mais um curioso desenvolvimento nos domínios da inteligência artificial. Este sistema de visão computacional é capaz de aprender música, analisando vídeos de um pianista a tocar.
https://www.washington.edu/news/2021/02/04/audeo-teaches-artificial-intelligence-play-piano/
Tim Wu, the ‘father of net neutrality,’ is joining the Biden administration: Não me cabe pronunciar sobre as politiquices americanas, nem é assunto que me interesse por aí além. Mas quando se intersecta com a tecnologia, já intriga. Nem que seja pelo sinal que estas coisas dão. A repelente administração anterior nomeou um ex-executivo de redes de tv cabo que tentou acabar com o princípio da neutralidade da internet, contra todos menos, claro, os interesses que realmente representava. Já esta administração segue um caminho oposto, ao trazer para papéis de aconselhamento decisório alguém cuja carreira tem sido de defesa da liberdade online e neutralidade da internet. Será um sinal de eventual tentativa de atacar os monopólios de facto, mas não de jure, que na prática governam a internet? Tentar cercear o poder que as GAFAM adquiriram?
https://www.theverge.com/2021/3/5/22315224/tim-wu-net-neutrality-antitrust-big-tech-biden-administration-national-economic-council
I asked an AI to tell me how beautiful I am: Portanto, isto é uma tendência. Usar algoritmos para avaliar a beleza individual e recomendar melhorias cosméticas ou de cirurgia plástica. O problema é que isto não é apenas uma variante moderna da vaidade. Sendo ferramentas de IA, não têm transparência e não sabemos precisamente que dados de aprendizagem foram usados para que o algoritmo conclua se somos estonteantes ou epítomes de fealdade. Um óbvio problema ético, especialmente num campo que mexe com a psicologia e o bem estar emocional de cada um. A coisa complica-se quando se percebe que esta tecnologia tem ramificações nos campos muito polémicos dos algoritmos de reconhecimento facial, extremamente invasivos da privacidade individual.
https://www.technologyreview.com/2021/03/05/1020133/ai-algorithm-rate-beauty-score-attractive-face/
PICO CAD is a Low Poly 3D Modeling Software Concept: Quão low poly? Pensem pixel art em 3D. Isto é mera prova de conceito e não software de produção, mas admito que a ideia de criar modelos 3D desta maneira tem a sua sedução. Claro que há formas mais fáceis de criar objetos low poly do que desenvolver um micro cad a 8 bit.
https://www.solidsmack.com/cad/pico-cad-is-a-low-poly-3d-modeling-software-concept
Facebook’s new AI teaches itself to see with less human help: O título não está muito correto. Na verdade, houve imensa ajuda humana para desenvolver este algoritmo capaz de aprender sozinho a reconhecer elementos não etiquetados em imagens. Essencialmente, os investigadores recorreram ao imenso arquivo de imagens do Instagram para poderem treinar o algoritmo. Ou seja, sem todas aquelas selfies à influencer ou fotos dos petiscos que todos partilhamos naquela rede, não teria sido possível desenvolver esta ferramenta.
https://www.wired.com/story/facebook-new-ai-teaches-itself-see-less-human-help/
"Technological Threat" animation short 1988 Academy Award nominee: Uma curta de animação antiga, mas a falar de um tema atual. Tudo o que será automatizável, sê-lo-á, e estamos a viver o futuro desta curta. A ironia amarga deste filme de 1988? Aquela ideia de trabalhar mais e mais depressa por causa da máquina, mesmo. Nos dias de hoje, a Amazon faz exatamente isto - integra a mão de obra humana nos fluxos de produção automatizados, forçando os empregados a aguentar o ritmo imposto pelos algoritmos.
https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=XiTgoRR3tbk
VR hospital training by 360Fabriek developed for Franciscus Gasthuis & Vlietland: Um projeto muito interessante, que desenvolveu um serious game (jogos usados para contexto de aprendizagem) em realidade virtual, para treino de enfermeiros de um hospital holandês. Combina scan 3D, fotogrametria e realidade virtual para recriar fielmente o ambiente do hospital.
https://fb.watch/475LoiYsJW/
This robot artist stops to consider its brushstrokes like a real person: Não sei o suficiente sobre este projeto para saber se é interessante, se representa um avanço no uso de robótica como forma de expressão artística, ou se é meramente fogo de vista.
https://www.engadget.com/ai-painting-project-sxsw-2021-225235320.html
Epic Games buys photogrammetry software maker Capturing Reality: Uma opção intrigante do criador de jogos, que claramente aposta na fotogrametria como forma de criar elementos 3D para jogos de computador.
https://techcrunch.com/2021/03/09/epic-games-buys-photogrammetry-software-maker-capturing-reality/
Modernidade
Into Titan’s Haze: Recordar as experiências de Miller e Urey, sobre a eventual geração dos elementos básicos de vida a partir de atmosferas primordiais, aplicado à análise da atmosfera de Titã.
https://www.centauri-dreams.org/2021/03/02/into-titans-haze/
So Who Made Pantone The Boss Of Colors Anyway?: Nos anos 60, a Pantone foi pioneira no estabelecimento de normas para a representação de cores e produção industrial de tintas, com um catálogo rigoroso que retirava ambiguidade às cores combinando tonalidades com métricas rigorosas de pigmento. Com isso, tornou-se uma inesperada força cultural.
https://www.artsjournal.com/2021/03/so-who-made-pantone-the-boss-of-colors-anyway.html
A Blight on Soviet Science: A história, fascinante e deprimente, de Nikolai Vavilov. Cientista russo dedicado ao estudo da genética nas culturas, correu meio mundo para criar um enorme banco de sementes, que sobreviveu até ao cerco de S. Petersburgo. Incrível imaginar cientistas a morrer de fome, mas determinados em proteger toneladas de sementes de cereais. Vavilov chocou contra a falsa ciência de Lisenko, que Estaline admirava, e pagou com a vida a sua dedicação à verdade científica.
https://www.damninteresting.com/a-blight-on-soviet-science/
NEUROPRIVACY AS A BASIC HUMAN RIGHT: Isto pertence à categoria de problemas éticos que ainda nem nos lembrámos que a tecnologia vai colocar. As correntes e futuras tecnologias de imagiologia cerebral, especialmente se a alimentar algoritmos de comportamento preditivo, podem fazer muito mais do que dar-nos conhecimento sobre o funcionamento do cérebro. Podem revelar padrões de comportamento que poderemos querer que permaneçam íntimos. Não é telepatia, mas não é preciso muito para se analisar, julgar e prever comportamentos individuais a partir dos dados recolhidos por estas tecnologias. Até agora, têm tido usos exclusivamente médicos e científicos, mas à medida que vão chegando a outros domínios, começam a colocar problemas éticos.
https://neo.life/2021/02/neuroprivacy-as-a-basic-human-right/
About Last Night: Ancient Drunkard Apology Letters of the Silk Road: Pois, quem nunca acordou num dia seguinte a uma noite particularmente feliz com ressaca monumental e a sensação que o comportamento nocturno não tenha sido, digamos, o mais apropriado? É um problema transversal à história da humanidade, como o mostram estes textos chineses milenares, preservados numa cidade perdida da Rota da Seda.
https://www.messynessychic.com/2021/03/04/about-last-night-ancient-drunkard-apology-letters-of-the-silk-road/
The Secret Life of components: A apresentação desta série vale por este tremendo insight: "It's impossible to teach experience; I now have the experience to make complicated things, but I don't know exactly what it is that I know. So much of it is non-verbal, I work with my hands. And at times, they just seem to take over". Aposto que não há professor que trabalhe com o lado prático, que tente cruzar as fronteiras entre disciplinas, que não sinta isto, a dificuldade em ensinar aquilo que se aprende, fazendo, metendo as mãos na massa, falhando. Aprendizagens que revelam o nosso largo espectro cognitivo, que não se reduz ao pensamento consciente. É tão mais fácil resumir a receitas e procedimentos, ou ensinar apenas teoria...
https://www.youtube.com/watch?v=6JAgXz6xO0s
Guerra Colonial: o julgamento que não houve*: Mesmo no período pós-25 de abril, a memória da Guerra Colonial era controversa e abafada pelos militares, revolucionários em tudo menos na defesa acérrima da instituição castrense. Por incrível que nos pareça, a edição de um livro que relatava crimes de guerra cometidos por militares portugueses nos teatros de operação africanos foi considerada uma ofensa à instituição militar, e, no pós-25 de abril, alvo de um processo em tribunal. Sessenta anos passados, a Guerra Colonial continua a ser assunto algo tabu nas discussões públicas.
https://pedromarquesdg.wordpress.com/2021/03/07/guerra-colonial-o-julgamento-que-nao-houve/