Walter Jon Williams (2005). Conventions of War. Nova Iorque: Harper Voyager.
O vibrante na space opera militarista é, como não poderia deixar de ser, a descrição das operações militares, as táticas, estratégias e momentos de combate férreo. Walter Jon Williams não desilude, e é brilhante na forma como explora as convenções do género. As batalhas espaciais deste livro (e somos mimados com três) mantém-nos agarrados páginas a fio, numa leitura imparável. Mas um livro não é feito apenas disto. Tem de haver um mundo ficcional coerente, e personagens com que o leitor se identifique.
Nisto, o autor também segue bem a cartilha, adensando cada vez mais este mundo ficcional fraturado. Boa parte do livro mergulha-nos nas tortuosas relações de poder de um império que se encontra numa curiosa guerra civil, entre conservadores e ultra-conservadores. Talvez aquilo que mais salta à minha leitura seja o estranhar de não ter sido seguido um outro caminho. Williams cria uma sociedade profundamente conservadora, clientelista, e corrupta nos seus escalões de topo. Uma corrupção que é tida como natural, como uma tradição. Seriam bons ingredientes de uma narrativa clássica em que uma sociedade corrupta se desmorona, mas não. O caminho seguido é o do reforçar do poder das elites clássicas, mesmo recorrendo a óbvios combatentes livres.
Algures durante o livro, numa parte onde somos levados à organização e condução de uma guerra terrestre contra os ocupantes da capital imperial, uma das personagens principais mostra-nos essa óbvia conclusão, ao mobilizar civis e criminosos para lutar pela restauração de uma tirania que tinha apenas a vantagem de ser um pouco mais inepta do que a tirania dos invasores. Talvez esteja aqui a chave para a continuidade da série, a óbvia derrocada de um império cujos governantes de mão de ferro se extinguiram, e o deixaram nas mãos de tradicionalistas ligados a clientelas, cujos jogos de interesse vão inevitavelmente gerar conflitos. Especialmente se for levado em conta que o império reúne diferentes espécies alienígenas, normalizadas e integradas numa sociedade comum após a sua conquista pelos fundadores do império.
No campo dos personagens, todo o livro é atravessado por uma história tortuosa de amor entre as duas principais personagens. Martinez pertence a um clã poderoso, mas de segunda linha, cujo líder se desdobra em esforços e jogadas para chegar às principais esferas de poder. Mas Martinez prefere a vida de oficial militar, e é excelente nisso, por ter a capacidade de pensar fora dos limites de um pensamento militar fossilizado nas tradições de uma frota estelar que, apesar de poderosa, foi durante séculos meramente cerimonial.
Sula é a herdeira de um clã caído em desgraça, é implacável na forma como, a pulso, constrói o seu percurso. Tão implacável que, na verdade, não é quem diz ser. Na adolescência, assassinou e roubou a identidade da legítima herdeira do clã, que dissipava a sua vida em overdoses constantes de drogas. Com isso, fugiu ao destino de ser brinquedo sexual dos pequenos criminosos de vida curta que sobrevivem nas fímbrias da sociedade imperial (uma excelente forma do autor mostrar que o mundo perfeito das esferas sociais na verdade assenta sobre opressão e pobreza). Apesar deste passado secreto, revela-se uma estratega de primeira, tão capaz de vencer esquadrões de combate inimigos em batalhas no espaço como de organizar uma insurreição que, contra todas as expectativas, derrota os invasores antes do regresso das forças imperiais.
Para além da tensão amorosa, complicada pela história de vida de Sula e os jogos políticos e económicos do clã de Martinez (sem querer muitos spoilers, digamos que pelo meio há abandonos, casamentos com outros clãs, e uma tensão amorosa que nem no final será resolvida), há outro tipo de tensões em jogo. Williams toca muito na tecla da tradição versus inovação. São os inovadores que conseguem salvar o império e derrotar os seus inimigos, e, no entanto, são sempre preteridos perante os tradicionalistas. Isto é particularmente óbvio no lado militar, onde as táticas clássicas apenas conseguem levar a pesadas derrotas e ao desperdício de homens e meios. Os que inovam salvam, literalmente, a pele aos tradicionalistas, mas são estes os que têm a primazia.
Tensões sociais e excelentes descrições de combate militar, contra um pano de fundo vasto, tornam estes livros uma excelente série de space opera militarista. Com o toque discreto mas corrosivo de todo o drama se desenrolar para manter viva uma sociedade obviamente corrupta. Vamos ver o que os próximos livros nos trarão.