Garth Ennis, Darick Robertson (2019). The Boys Omnibus Vol. 1. Runnemede: Dynamite Entertainment.
Não é a primeira, mas é a mais longeva desconstrução crítica e escatológica dos mitos dos super-heróis. The Boys é implacável no humor e na violência. No seu mundo, os super-heróis são aparentemente uma força para o bem, mas na realidade não passam de indivíduos degenerados com super-poderes, que lhes são conferidos por substâncias químicas. As histórias brilhantes de origens miraculosas ocultam, na verdade, o terem sido criados em laboratórios. A sua aparência é impecável, sempre reforçada por estratégias de marketing, mas a sua conduta oscila entre o desastroso e o incontrolável. São, essencialmente, peças no xadrez económico e político, servos super-poderosos das empresas que os criaram, demasiado apreciadores dos luxos da vida poderosa para realmente usarem os seus poderes para dominar o mundo. E muito ineficazes quando realmente os usam fora das coreografias orquestradas.
The Boys são os únicos que os super-heróis realmente temem. Os Boys também têm poderes, que adquiriram para melhor cumprir a sua função: manter os heróis na linha, com extremo prejuízo. Com apoio de algumas agências secretas que se tentam opor ao domínio empresarial sobre governos, o discreto e de aparência normal grupo de operacionais não hesita em punir os mais famosos heróis, sempre da forma mais violente e humilhante. Ajuda o terem sido, no seu passado de alguma forma vítimas da incompetência dos heróis. Ou, pelo menos, o puro gozo de meter no lugar seres que se julgam mais que humanos.
Garth Ennis não poupa na escatologia nesta sua desconstrução do simplismo banal dos super-heróis. O humor é fortíssimo, a violência e o comprazer na degeneração não lhe ficam atrás. O único paralelo que encontro, de inverter as premissas morais do género, é em Marshal Law de Pat Mills e Kevin O'Neill.
Garth Ennis, Darick Robertson (2019). The Boys Omnibus Vol. 2. Runnemede: Dynamite Entertainme
The Boys não é exatamente humor subtil. Bem pelo contrário, compraz-se no absurdismo violento, na piada fácil e na caricatura do ridículo. Não desmonta as iconografias da indústria dos super-heróis de forma subtil. Antes, é tipo bola de demolição e dinamite. E é por isso que é tão bom ler este comic. Ennis vai levando a sua história, enquanto parodia as super-equipes (nem sei qual a melhor sátira, se a longa piada com a estética e bases conceptuais dos X-Men, se com um grupo de heróis com necessidades especiais). Mantém uma backstory com uma ligação amorosa entre o mais inocente dos caçadores de heróis e uma relutante super-heroína, sem que nenhum deles saiba realmente o que faz. Claro que a situação vai dar explosão. E, avisando-nos que os mitos de super-seres benévolos encerram em si raízes totalitárias, vai levando a história numa direção em que os heróis, fartos de se fingirem bonzinhos, estão a preparar-se para assumir as suas capacidades.