Robert Anton Wilson (1974). The Book of the Breast. Playboy Enterprises
Soa bizarro, mas talvez apropriado à personalidade. Um ícone da contra-cultura dos anos 70, entre o psicadelismo e o underground, a escrever um livro sobre um detalhe anatómico feminino para a Playboy. O resultado é interessante. Este é, realmente, um livro playboy que se lê pela qualidade dos textos (geralmente, essa piada masculina indicava que o grande texto que liam estava nas páginas centrais da revista). Talvez desiludindo os editores e potenciais leitores, o livro não é uma viagem de tititalação libertina, essencialmente uma desculpa para publicar fotos de detalhes anatómicos femininos. Não que o autor não deixe uns parágrafos mais picantes, mas no fundo, o livro é um longo ensaio sobre repressão e humanismo, com inúmeras referências históricas e estéticas. Wilson analisa os seios sob diferentes perspetivas, mas volta sempre a ideias freudianas, e sublinha muito a esquizofrenia entre pulsões naturais e os espartilhos culturais da tradição judaico-cristã mais puritana. Wilson consegue também trabalhar o tema de forma delicada, fugindo ao simplismo da objectificação. O seu ponto de vista, consentâneo com seu papel como guru contracultural, está na libertação dos constrangimentos das imposições sociais excessivas.
Suspeito que este seria um livro impossível, hoje. Em parte pelo sensacionalismo da cultura popular. Estão a ver esta editora a patrocinar algo que não seja pura pornografia softcore, atualmente?. Em parte seria dizimado por hordes de cientistas sociais especializados em estudos de género, comentando que as ligações entre tradições e mitologias não significam o que RAW pensava que significassem (enfim, hoje não se toma muito LSD nesses departamentos académicos). E trucidado nas redes sociais por ativistas dos quadrantes mais extremados do meetoo e outras vertentes, que se têm razão no apontar do sexismo que tem estado inerente a campos culturais e profissões, o fazem em espírito de caça às bruxas.
E talvez o livro seja mesmo isso, uma enorme justificação de um homem, cobrindo as suas preferências sob um manto de erudição. Mas não foi essa a sensação com que fiquei da leitura, descoberta após ler uma entrevista sobre este e outros livros com a filha de RAW. É, talvez, um artefacto cultural bizarro que espalhou ideias contra-culturais para um público que, francamente, deveria estar à espera de outro tipo de conteúdo naquelas páginas.