Roberto Recchioni, Angelo Stano, Corrado Roi (2020). Dylan Dog #400: E ora, l'apocalisse!. Milão: Sergio Bonelli Editore.
Antes deste número 400, Dylan Dog teve um ciclo de histórias que encerrou num apocalipse às mãos de um meteoro. E neste número, é o momento pós-apocalíptico. Recchioni faz a escolha consciente (e editorial, certamente) de rever o personagem. Uma espécie de reset ao longo legado iconográfico da série. E fá-lo pegando num elemento que sempre a caracterizou, o seu lado referencial à cultura de terror, e os tiques meta-ficcionais. A história é um delírio onírico, com Dylan a acordar nas ruínas de Craven Road e a embarcar no seu eterno galeão, tripulado por Groucho. Ambos perderam as memórias, e enquanto navegam cruzam-se com referências às suas mais clássicas histórias, os grandes momentos de Sclavi e de Recchioni. Mas há outra grande referência literária e cinematográfica, a história cita descaradamente Heart of Darkness de Conrad, entre iniciar e terminar com versos de The End dos Doors, citar diretamente cenas icónicas do filme, e culminar num ato em que Dylan assassina o seu criador. Sclavi revisto como um Marlon Brando a falar com frases de star Wars e blade runner é um dos grandes pormenores meta-ficcionais. Outro é a intrusão do próprio ilustrador, a refilar com o argumento e a atrever-se a desenhar o que realmente lhe apetece, uma enorme mulher-ilha ao estilo de Manara. Um desenhador que surge como personagem de uma história de Dylan Dog a desenhar Dylan Dog é, igualmente, outra referência a uma das muitas histórias clássicas do personagem. O problema é que com tanta tessitura de referência, não percebi se li uma excelente história ou um argumento pretensioso. No entanto, é de sublinhar que esta é das mais inesperadas renovações de uma personagem que poderia acontecer. Não há história linear a explicar as novas direcções, apenas destruição criativa e construtiva dos grandes pilares da série. É esse o simbolismo de Dylan a abater Sclavi à catanada.
Roberto Recchioni, Corrado Roi (2020). Dylan Dog #401: L'alba nera. Milão: Sergio Bonelli Editore.
Recriar Dylan Dog indo diretamente à origem. Um recontar da primeira aventura do Old Boy, em modo descubra as diferenças. Comecemos pela mais óbvia, a barba. A partir daí é sempre a somar. O assistente é Gnaghi, em referência direta a Dellamorte Dellamore, o romance de Sclavi que é uma espécie de Dylan Dog paralelo (diz-se que foi a base do personagem, mas a criação de Dylan data de 1986 e o romance de 1991). Adeus Groucho, desaparecido para parte incerta. Os detetives Carpenter e Rania continuam na série, ele a odiar um Dylan que vê como bêbedo e charlatão, ela com a surpreendente revelação de ter sido casada com Dylan. Ambos respondem perante Bloch, agora superintendente da Scotland Yard (na série clássica, havia-se reformado) e nada indica que neste reboot seja o tranquilo amigo de Dylan que sempre foi.
Quanto ao resto, L'alba dei morti viventi é recontada, mas sem necessidade de ir a uma esquecida aldeia escocesa. O epicentro é Londres, o caso é despoletado pelo pedido de ajuda de uma mulher acusada de matar o marido apesar da autópsia revelar que este estava morto antes desta lhe ter espetado tesouras na cabeça. A fórmula de Xabaras é substituída por um vírus, que faz as delícias do especialista em medicina legal que autopsia o cadáver duplamente morto. Mas uma morgue é o pior lugar para um surto de vírus zombificadores, como o descobrem os nossos personagens em sequências que recriam o original de forma atualizada. Até Xabaras faz uma fugaz aparição, embora desta vez nem seja visto, nem seja vítima da destruição generalizada. Este Dylan Dog renovado lê-se como um indagatore dell'incubo de uma realidade paralela, e parte do gosto da leitura está no procurar as diferenças.
Roberto Recchioni, Corrado Roi (2020). Dylan Dog #402: Il tramonto rosso. Milão: Sergio Bonelli Editore.
Continua a reconstrução criativa de Dylan Dog, desta vez concluindo a recriação de L'alba. Misturando profundamente Dylan Dog e Dellamorte Dellamore, ficamos a saber que Dylan foi durante uns tempos coveiro em Undead, na Escócia, num cemitério onde os mortos não ficavam quietos nas suas campas (é essencialmente a base do romance de Sclavi). A ligação ao universo de Dylan Dog é feita por Xabaras, que coloca ali a sua base de investigação na busca da imortalidade, usando os habitantes da vila como cobaias. É nesse cemitério que Dylan fará um pacto com a Morte para se tornar investigador (a relação entre a Ceifadora e Dylan tem sido um tema recorrente da série), sendo recompensado com umas horas com a alma da mulher que mais amou (referência a Un Lungo Addio). E daí também vem o loquaz Gnaghi. Para encerrar este reconto, o surreal faz-se sentir com o eterno galeão de Dylan agora transformado no covil de Xabaras. No inevitável conflito, Xabaras revela-se como um eterno adversário de Dylan, em inúmeras realidades paralelas. Suspeito que está aqui o ponto em que Recchioni se defenderá caso esta recriação de Dylan Dog, que faz evoluir a personagem, seja rejeitada pelos fãs - encerrará o ciclo como uma realidade paralela do personagem. Quão paralela? É-nos revelado que Bloch adotou Dylan como filho. E Groucho parece ter desaparecido por completo da série.