terça-feira, 4 de agosto de 2020

Comics: Impact; The Oracle Code; The Austerity Gospel; Jan's Atomic Heart and Other Stories.


Al Feldstein, et al (2020). The EC Archives: Impact. Milwaukie: Dark Horse.

Depois de levar por tabela, ou melhor, ser um poster case da censura aos comics motivada pelo pânico moral alimentado pelo falso psicólogo Hayes, a EC Comics teve de mudar de linha editorial. Este usou a violência gráfica dos comics de terror como forma de fomentar uma cruzada moralista que levou a indústria a auto-regular-se com um redutor código de conduta. Nada como apelos a ninguém pensa nas criancinhas, apontado os traumas morais infligidos às mentes juvenis pelo simples olhar para uma vinheta de banda desenhada como causa maior do evidente declínio e queda da moralidade clássica. Pânicos morais, em parte alimentados por indivíduos que procuram protagonismo e lucro financeiro, ou organizações conservadoras que adorariam acabar com essa coisa nefasta que é a liberdade de ideias, são comuns na história dos media, e seguem sempre o mesmo padrão, de supostos efeitos nefastos na moralidade (hoje, na neurologia) dos jovens expostos aos perigos dos romances literários, da ficção científica, rádio, música rock, televisão, videojogos, internet ou telemóveis (é a versão contemporânea deste eterno ciclo de choque contra novas ideias e meios de comunicação, que depressa se normalizam e abrem caminho a novos pânicos mal apareça uma novidade tecnológica ou cultural que atraia a atenção das massas).

Forçada a mudar a sua assumidamente chocante política editorial de comics de terror, bem, aterrorizantes e cheios de nuances morais, a lendária EC Comics diversificou as abordagens. Apostou em comics de ficção científica, que nos legaram iconografias clássicas, especialmente no trabalho de Al Williamson. Histórias de combate, das quais Aces High foi a mais influente, foi outra das vertentes exploradas, que também passou pelo romantismo. E, numa nota mais literária, esta Impact, com histórias que usavam o habitual estilo da EC, com finais volte face que trocam as voltas aos leitores, para tocar em temas mais mainstream. Relações humanas, pobreza, tensões interpessoais dão a inspiração para histórias que não deixariam os leitores indiferentes, daí o título da revista. Esta edição EC Archives compila algumas das melhores histórias, e inclui a fortíssima Master Race, a primeira vez que o tema holocausto foi abordado na banda desenhada.


Marieke Nijkamp, Manuel Preitano (2020). The Oracle Code. Nova Iorque: DC Comics.

Batgirl, revista em versão Young Adult. Os leitores de Batman recordam que a filha do Inspetor Gordon foi paralisada pelo Joker numa das mais violentas cenas de Killing Joke, ficando presa a uma cadeira de rodas. O que não a impediu de continuar a combater o crime, tornando-se uma hacker e pesquisadora conhecida como Oracle. Tudo isso aqui fica de parte, numa busca de novos públicos que é normal na evolução dos comics. Aqui, a filha de Gordon é uma jovem adolescente que adora hackear sistemas informáticos e é ferida ao tentar ajudar combater um crime, ficando paraplégica. Seguimos os seus primeiros passos num centro de recuperação, onde faz novas amizades, se adapta à sua condição, e deslinda o mistério do desaparecimento de alguns dos jovens pacientes institucionalizados. Uma resolução que a irá colocar no caminho para se tornar a Oráculo. É uma visão YA pura, que segue as convenções do género, e muito afastada do género super-heróis. Leitura divertida, embora seja daquelas que foge tanto à estrutura da personagem que cause palpitações ou acessos de fúria aos fãs puristas que acham que os comics devem parar no tempo - e de preferência, o seu, aquele que acham ser a melhor época das personagens que apreciam.


Tom Peyer, Greg Scott (2019). High Heaven: The Austerity Gospel. Syracuse: Ahoy Comics.

E se... o céu fosse um local deprimente, tipo bairro social decadente? É o que um azarado personagem descobre, depois de lhe cair um piano em cima. Vê-se chegado ao céu, e para sua grande surpresa abrem-se-lhe as portas celestiais. Que não dão acesso a nenhum paraíso. O céu é um enorme bairro social decante. Ou será mais que isso? Pelas suas desventuras e propensão para irritar toda a gente, acabará por descobrir que há mais do que um céu, um verdadeiro paraíso para onde irá, castigado a passar a eternidade como empregado de limpezas num paraíso de luxos e hedonismo. Mais vale ir para o inferno, que nesta série até parece ser um local divertido, mas não há fuga possível ao céu. Porque, se o seu principal propósito é encher-se de almas para venerar o criador, a coisa começou a correr mal com o advento do iluminismo e o fim da crença cega na religião. Os responsáveis tinham de fazer qualquer coisa para combater o fluxo cada vez mais diminuto de almas, e a lógica foi baixar o nível, aceitar qualquer um. Este Austerity Gospel é uma visão bem humorada que cruza crítica à religião organizada e seus ditames com uma metáfora ácida sobre o crescimento das desigualdades sociais e económicas. O subtítulo parece deslocado numa obra humorista, até se perceber a piada do paraíso de segunda classe para as massas infetas alimentarem a glória do criador. Um pouco como as acossadas classes médias globais, essencialmente o combustível económico dos lucros das multinacionais, cujo papel social é admitido como ser só o de mão de obra progressivamente precarizada, ou consumidores.


Simon Roy (2014). Jan's Atomic Heart and Other Stories. Portland: Image Comics

Simon Roy cruza uma estética de banda desenhada independente com ficção científica pura. Os resultados têm o seu quê de experimental e irreverente, quer ao nível gráfico quer narrativo.