quinta-feira, 16 de julho de 2020
Comics: Archangel; Doom 2099.
William Gibson, Jackson Butch Guice (Illustrator), Tom Palmer (2017). Archangel. IDW.
William Gibson na banda desenhada soa algo estranho, mas a sua capacidade narrativa adapta-se bem aos ritmos dos comics. Esta história pega no seu habitual futurismo distorcido. Num presente diferente do nosso, com o mundo devastado por uma catástrofe nuclear, a elite do governo americano decide ir ao passado para manter o seu poder. E vai ao ponto de divergência entre a nossa realidade e a deles: um momento, após Hiroxima, em que o alvo seguinte das bombas atómicas fica não no Japão, mas em Arkhangelsk, aproveitando um momento em que Estaline e as lideranças soviéticas se encontram de visita à frota russa.
Um ataque de decapitação, que esmagará a União Soviética e criará uma pax americana que só vê fim quando, numa conspiração não explicada, um acidente nuclear despoleta uma reação em cadeia de sistemas de defesa que provoca o holocausto nuclear. Do futuro vai-se ao passado para garantir a linha temporal, mas os resistentes do futuro, infitrados nos mais altos escalões, conseguem enviar os seus agentes ao passado. E assim, Berlim em 1945 torna-se o palco de um combate entre dois futuros possíveis, com ajuda de uma dinâmica agente britânica e um alemão especialista no mercado negro. O final do livro é muito irónico, com um dos homens do futuro a regressar a um tempo que já não é o seu, mas o nosso, e a ler sobre a eleição de Trump num jornal.
Archangel mistura ucronia com futurismo presente, sendo uma fábula de como os jogos de poder actuais, os responsáveis políticos globais, podem causar enorme estragos para consolidar o seu poder. O estilo habitualmente àrido de Gibson é temperado pela ilustração.
Warren Ellis (et al) (2013). Doom 2099: The Complete Series by Warren Ellis. Nova Iorque: Marvel Comics.
Só Warren Ellis para se atrever uma diatribe anti-sistema político americano num comic da Marvel. Este D00m 2099 lê-se como o filho bastardo de um cruzamento entre o simplismo moral de Stan Lee e o futurismo destravado de Transmetropolitan. Em 2099, novos heróis estão numa Terra muito alterada, e o Doutor Destino caminha na linha fina entre déspota iluminado, vilão e herói amoral. Tudo o que quer é salvar o mundo, e para o fazer, decide derrubar o governo americano com um golpe de decapitação, que lhe permite proclamar-se presidente. Mas apesar de todo o seu planeamento, que incluiu orquestrar hackers, forças de elite, mercenários e justiceiros de rua, comete um erro. Não elimina a verdadeira liderança americana, os representantes das grandes corporações, pensando que o temor que inspira será o suficiente para assegurar a sua obediência (isso, e o eliminar com extremo prejuízo, um deles, que se revela ser um alienígena). Mas estes, não querendo perder os seus privilégios, e reagindo contra um novo sistema que redistribui a riqueza pela população (Doom como socialista, só mesmo Warren Ellis para ir por este caminho), aliam-se a um homem que guarda tecnologias proibidas. Um louco que quer exterminar a vida na Terra, para ir para Marte fundar uma nova humanidade. Que liberta as armas mais exóticas do seu arsenal contra Doom, e ressuscita o velho Capitão América para liderar o país.
Uma série alucinante, com Warren Ellis a fazer o que faz melhor, cruzar futurismo destravado com fetiches tecnológicos e especulação entre o bizarro e o assustador.