terça-feira, 19 de novembro de 2019
Trillium
Jeff Lemire (2014). Trillium. Nova Iorque: DC Comics.
Trillium é um objeto estranho, entre os comics e a ficção científica. Jeff Lemire escreve e ilustra uma história onde passado e futuro colidem e se influenciam, sob o espetro da extinção total da humanidade.
Estamos no futuro, e numa colónia de investigação remota uma cientista tenta aproximar-se de uma espécie alienígena que poderá deter a chave para a sobrevivência da humanidade. Pouco se sabe sobre eles, apenas que vivem numa aldeia que rodeia um enorme templo de aspeto maia, e em cujo território floresce uma planta com propriedades curativas. Serão estas as que poderão salvar a humanidade, sob ataque de um mortífero vírus consciente que a está a exterminar metodicamente. A colónia de investigação está a tornar-se o último reduto da humanidade. A cientista é acolhida pelos alienígenas, e levada ao interior do templo, onde descobre que as fronteiras do tempo são fluídas.
Estamos no passado, e um antigo soldado traumatizado pelas experiências nas trincheiras da I guerra acompanha o irmão numa expedição à selva amazónica. São atacados por uma tribo aguerrida, e ao fugir, depara-se com um templo no meio da selva, de onde sai uma mulher vestida com um fato de astronauta. Ele próprio irá ser empurrado para dentro do templo, e descobrir-se à num futuro que não existe, enquanto a cientista mergulha num passado que nunca existiu. As histórias entrelaçam-se, entre forças que desconhecem o verdadeiro potencial dos templos, flores e alienígenas, e a iminente extinção da humanidade. O segredo cósmico guardado pelos templos pode, realmente, ser a chave para a salvação.
Lemire mergulha fundo na ficção científica em Trillium. Viagens no tempo, segredos cósmicos, futuro no espaço, passado steampunk. Consegue misturar estas estéticas numa história eficaz, que gira à volta da relação improvável entre um homem do passado e uma mulher do futuro, que irá terminar na possibilidade de salvação da espécie humana. Lemire complementa o seu estilo gráfico com um forte experimentalismo narrativo. A história é feita de duas narrativas paralelas que se entrelaçam, e Lemire atreve-se a explorar isso no lado visual, com justaposições e inversões. Há todo um capítulo que se lê duas vezes, primeiro no sentido tradicional, e depois no inverso, em que as duas histórias decorrem em paralelo com imagens-espelho na prancha. E isto também é ficção científica, um género que não se limita a imaginar e especular sobre futuros, mas também a experimentar novos estilos e formas narrativas.