terça-feira, 25 de setembro de 2018

Pax Technica


Phillip Howard (2015). Pax Technica: How the Internet of Things May Set Us Free or Lock Us Up . New Haven: Yale University Press.

Oh, you sweet summer child, pensei muitas vezes ao longo desta leitura. Especialmente nas passagens com deslumbre evidente pelo poder do social media nas primaveras árabes. Momentos em que as formas informais de contato e disseminação de informação foram instrumentos que abalaram os poderes tradicionais, mas o saldo final é muito negativo. Creio que só a Tunísia, berço dos movimentos, se democratizou. O resto oscila entre sangrentas guerras civis (Líbia e Síria), deposição de ditadura para ascensão de radicais islâmicos ao poder seguido de tomada de poder pelos militares e sufoco da sociedade civil (Egipto), ou estados como a Arábia Saudita e o Bahrein, que perceberam que algo andava no ar e restringiram preventivamente, e ainda mais, os poucos direitos dos seus cidadãos.

Aquele sentimento tão final da primeira década do século XXI, de que as redes sociais se tornariam importantes ferramentas no disseminar global da democracia liberal, foi hoje substituído pelo de amargura com as suas consequências. Não consigo recordar alguma network revolution que tenha sido bem sucedida. Mas estas falhas não mostram que a internet e redes sociais não são utensílios ao serviço do activismo. Pelo contrário. Outra lição recente, e que só nos últimos capítulos este livro começa a aflorar, é que ditadores, serviços de segurança (mesmo em países democráticos), estados autoritários, senhores do crime e interesses económicos perceberam muito bem o potencial da rede. Basta ver a complexa forma de ciberguerra russa, entre ataques cibernéticos a infraestruturas, exércitos de troll e serviços especializados de fake news, os sistemas digitais repressivos chineses (merecem todo um capítulo deste livro), ou o eficaz uso de redes para organizar uma espécie de renascimento do fascismo na Europa.

É o lado negro, nestes últimos tempos prevalente, de uma tecnologia que de facto, na grande maioria, tem melhorado as nossas vidas e permitido novas formas de ativismo com consequências reais positivas. Basta olhar para mim próprio, para grande parte (senão todos) dos projetos em que estou envolvido. Tal não aconteceria senão pelas redes, pela partilha e interconexão entre pessoas fisicamente distantes. É no campo político que as coisas andam a correr mal.

Pax Technica é, fundamentalmente, todo um conceito, o utilizar as redes e a internet das coisas para criar novos equilíbrios políticos, a favor dos cidadãos. É algo que por estes dias nos parece distante, mas o outro lado, o estreitar de conexões e os projetos possibilitados via web, mostra que talvez haja esperança. Infelizmente, o grande foco deste autor está no elogio a algo que falhou, às networked technologies como instrumentos de revolução positiva (falharam porque não chega interligar para revolucionar, há que manter a organização para reconstruir). A inocência que caracteriza boa parte deste livro vai-se perdendo mais para o fim, com o autor a admitir o domínio férreo que estados ou serviços de segurança detêm sobre ferramentas de hipervigilância. Faz também notar que a promessa da internet das coisas poderá traduzir-se em novas gaiolas, se as liberdades não forem acauteladas e se ceder aos interesses comerciais puros.