quinta-feira, 5 de abril de 2018

Travelling to Utopia


Michael Moorcock (2014). The Michael Moorcock Collection: Travelling to Utopia. Londres: Orion Books.

Três romances de Moorcock, reunidos em antologia. Não partilham universos comuns, apenas uma ideia longínqua de utopias, quer artificiais (The Wrecks of Time, onde a Terra é um constructo artificial criado pelos sucessores da humanidade), pós-apocalípticos (The Ice Schooner, onde a Terra congelou, e os sobreviventes erguem uma nova civilização) ou longínquos (The Black Corridor, onde um planeta habitável poderá ser o único refúgio de uma Terra em desagregação violenta). Moorcock é um mestre da prosa rápida, com histórias que se lêem a bom ritmo.

The Wrecks of Time: duas organizações lutam entre si com Terras paralelas como palco. Após a descoberta da existências de mundos paralelos, uma dedica-se a salvar os habitantes de outras Terras de cataclismos terminais, enquanto a outra organização os parece provocar. A verdade é mais complexa. Todas as Terras são simulações, criadas por seres que transcenderam a humanidade ao explorar os multiversos, e, regressados ao berço, recriam continuamente o seu planeta de origem para perceber como evoluiu a sua civilização. Os habitantes das Terras estão vivos, mas são apenas elementos de complexas simulações que invariavelmente terminam com o extermínio do planeta onde vivem. O criar de um novo simulacro, conjugado com as ações das fações em luta e a interferência de agentes andróides dos criadores, permitem uma direção inesperada para esta longa experiência. A premissa do romance é muito interessante: o que aconteceria se as simulações fossem habitadas por seres vivos e conscientes. O estilo narrativo de Moorcock mantém essa ideia em desenvolvimento lento, enquanto a narrativa se centra nas disputas entre organizações e a descoberta progressiva do mistério das Terras paralelas.

The Ice Schooner: Um daqueles livros que se lê de uma assentada, em parte pela típica escrita escorreita de Moorcock, autor especialista em literatura que agrada ao leitor, em parte para se perceber como é que o autor encerra uma premissa que é óbvia desde as primeiras linhas. The Ice Schooner mergulha-nos nas aventuras de um capitão caído em desgraça, que encontra numa cidade rival da que é originário uma nova vida e inúmeras aventuras. Tudo por ter, em plena desolação gelada, salvo um homem que se vem a revelar como o líder da cidade. O resto é intriga e aventura, com o capitão a ganhar um novo comando, liderando os descendentes do líder e uma tripulação inquieta num navio que sulca os gelos, em busca da mítica cidade de Nova Iorque.

É aqui que reside o cerne do mundo ficcional do romance. O futuro trouxe uma nova idade do gelo, e a humanidade sobrevive em cidades escavadas sob o planalto gelado que cobre a antiga amazónia. As extensões geladas são percorridas pelos navios de gelo, construídos com tecnologias já esquecidas como quilhas em fibra de carbono e cordame de nylon, em comércio ou à caça de manadas de baleias, que largaram os oceanos e ganharam pelagem, atravessando o gelo interminável. Corremos com a tripulação do navio de gelo para a mítica cidade de Nova Iorque, desejosos de saber como é que Moorcock monta o puzzle deste universo. Encontramos lá os descendentes de outros sobreviventes dos primeiros gelos, que foram capazes de preservar a ciência e tecnologia, e que sabem que as idades do gelo são cíclicas e uma nova mudança vem a caminho, com o degelo progressivo do planeta.

The Black Corridor: Numa nave espacial em fuga de uma Terra em desagregação, o único tripulante que se mantém fora de hibernação começa a sofrer de alucinações. Um tema comum em Moorcock é o apocalipse por fragmentação, a acontecer não por conflitos entre grandes blocos de nações mas pela fragmentação em grupinhos nacionalistas que se guerreiam até à extinção (os romances que compõem o Cornelius Quartet vivem essencialmente disto). Um pequeno grupo de sobreviventes foge de uma Inglaterra onde a própria cidade de Londres se pulverizou em bairros que se combatem com armas nucleares, e escapa-se do planeta em direcção a um possível planeta habitável a orbitar a estrela de Barnard. Nunca saberemos se lá chegarão. Todo o romance é um mergulho na progressiva decadência mental de um homem, atacado pela solidão profunda no espaço sideral.