terça-feira, 20 de setembro de 2016

Captain America Masterworks Vol. 1


Stan Lee, et al (2010). Captain America Masterworks Vol. 1 (Tales of Suspense). Nova Iorque: Marvel Comics.

Ler estas histórias clássicas do segundo início dos comics de super-heróis, nos anos 60, mostra o quanto o género evoluiu até hoje. Escrevo segundo início porque, após o período inicial nos anos 30 e 40, os comics comerciais abriram-se aos mais variados géneros, do western ao horror, passando pelo romance. As pressões moralistas que se mestastizaram na Comics Code Authority, organismo de auto-censura criado pelas editoras para garantir um selo de segurança moral, limitaram os criadores a temas que não fossem considerados ofensivos. Os divertidos excessos do horror ao estilo Warren Publishing foram postos de parte, títulos de humor, cartoon e romance foram perdendo leitores. A moralidade binária dos super-heróis, segura dentro dos parâmetros do Comics Code e capaz de atingir contornos patrióticos, aliada às histórias de aventura de seres com poderes especiais, tornou-se um filão de exploração segura, de tal forma que as restantes vertentes se eclipsaram do mainstream. Os antigos heróis dos anos 40 foram recuperados, novos foram criados, a partir de padrões narrativos que têm sido replicados de forma exaustiva.

Não podemos esperar muito em termos gráficos e narrativos destas histórias, simplistas pelos padrões de hoje. Aventuras contidas em dois ou três episódios, viviam da acção, das cenas de luta onde o herói, com a sua força, agilidade e bom humor, sempre prevalecia. Se o desenho pode ser interessante - e no caso deste Masterworks do Capitão América, com o traço de Jack Kirby, é-o, falta toda a linguagem narrativa de encadeamento de pontos de vista e enquadramentos que caracteriza, hoje, a BD. À época, estes comics eram sucessões de imagens, com continuidade assegurada apenas pela narrativa verbal da história.

Este volume traz de regresso aos leitores as primeiras histórias do Capitão América escritas por Stan Lee, recuperado ao catálogo da Timely pela então incipiente Marvel. São curiosamente centradas no legando antigo do personagem, revendo a sua origem e aventuras dos tempos da II guerra. Curiosamente, há no livro uma aventura contemporânea, passada num Vietname representando como cenário operático por Kirby, mas sente-se que o tema é demasiado sensível para a época, que o que funcionou nos anos 40 - comics patrióticos, com heróis a vencer o III Reich e a ameaça nipónica com o poder dos seus punhos, já não pega no ambiente moralmente mais ambivalente dos anos 60. A II Guerra, e os inimigos clássicos do herói, são terreno seguro que Lee soube explorar muito bem.

Para quem não conheça o passado desta personagem, apreciando a Marvel pelo seu universo cinematográfico, pode ficar surpreendido pela forma como os filmes relativos ao Capitão América são fiéis às primeiras histórias no que toca à origem e primeiras aventuras da personagem, a cor de pele de Nick Fury, que durante décadas foi uma espécie de all american Bames Bond antes de ser revisto como Black Motherfucker no cinema, aparições fugazes da agente Carter, a aparição de Red Skull ou as primeiras iterações de Zemo, Hydra, Shield e IMA. O que vemos hoje, explorado no universo transmedia da Marvel, são variantes e transposições do substrato estabelecido por Kirby e Lee nos anos 60.

Uma leitura nostálgica, muito válida como documento que mostra um estádio clássico da evolução das linguagens gráficas e narrativas dos comics.