quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Stand on Zanzibar


John Brunner (1999). Stand on Zanzibar. Londres: Gollancz.

Devo confessar uma heresia: sempre imaginei este livro como uma sucessão de aventuras passadas numa Zanzibar dos mitos neo-coloniais africanistas. Terminada a leitura, descobrindo que o que dá título ao livro é uma frase isolada na narrativa, será que me sinto defraudado? Não, claro. Stand on Zanzibar é tido como um dos maiores expoentes da FC New Wave e é preciso lê-lo para compreender isso. O tema do livro é familiar, uma distopia futurista num mundo que enfrenta os impactos do crescimento populacional desenfreado, a par com tensões políticas e sociais fragmentárias onde não falta a fé cega nas capacidades computacionais dos super-computadores para resolverem os problemas à humanidade.

No tema não se distingue da maior parte das obras nesta vertente da FC. O que nos atinge é a forma como Brunner deixou entrar de enxurrada o cânone literário do alto modernismo pela FC dentro. É na sua estrutura narrativa deliberadamente fragmentada que o livro se revela. Leitores que conheçam a obra de John dos Passos, especialmente a trilogia U.S.A., reconhecem a técnica literária. Uma história que se constrói através recortes noticiosos, elementos narrativos puros, fragmentos de percepção cuja conjugação constrói na mente do leitor quer as peripécias da história quer o seu vasto mundo ficcional. Um experimentalismo ao mesmo tempo típico e radical para a época em que foi publicado originalmente.

Esta é uma obra que nos mostra o poder da junção do arsenal especulativo da FC com a vanguarda literária que marcou o século XX. Consequência lógica dos anseios estéticos da New Wave, levando-a quase tão longe quanto Ballard a levou (embora este tenha seguido outros caminhos), abriu a porta a uma FC que não renega outras influências, que se atreve a assumir-se como literatura, fugindo dos espartilhos impostos por visões redutoras de género. Um livro fundamental para a história da Ficção Científica. Se não conhecem, atrevam-se. Irá ser uma viagem atribulada mas recompensadora.