quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Dylan Dog: Mater Morbi



Roberto Rechioni, Massimo Carnevale (2010). Dylan Dog #280: Mater Morbi. Milão: Sergio Bonelli Editore S.p.A..

Vou-me repetir, bem sei, pensam aqueles que têm vindo a ler as minhas ruminações sobre Dylan Dog. Duvido que por esta altura já poucos tenham paciência para o fazer, mas enfim. Cá vai. Dylan Dog divide-se claramente em duas vertentes. O surrealismo weird fantasista de Tiziano Sclavi e o mistério sobrenatural encarrilado nos pressupostos do costume dos restantes argumentistas. Mas há excepções, e este perturbante Mater Morbi é a melhor com que já deparei.


Recchioni é frontal na sexualização de Dylan, que leva habitualmente para a cama as mulheres com que se cruza como romântico incorrigível. Mas não há romantismos neste fumetti. Dylan é acometido por violentos achaques num momento de elevado romantismo e internado de urgência num hospital. Aí cai nas mãos de um médico que serve uma entidade obscura, que se compraz em prolongar o sofrimento dos pacientes. Utilizando o argumento de manter a vida a qualquer custo alonga as dores daqueles que supostamente procura curar, servindo as vontades da obscura Mater Morbi, a encarnação da morbilidade, a senhora das doenças que se alimenta nos seus domínios sobrenaturais da fragilização dolorosa da doença.


Numa vénia perversa a Gaiman Recchioni incorpora a morbilidade numa sensual dominatrix que se compraz a torturar Dylan. Recorde-se que Gaiman encarnou a assustadora Morte no corpo de uma simpática rapariga de visual gótico. Aqui fiel às pequenas depravações do espírito da cultura popular italiana, é mais fetichista em lingerie sensual, cintos de ligas e chicotes. A salvação de Dylan acontece graças ao seu eterno romantismo, que o deixa ver para além do masoquismo de Mater Morbi. Fazz-lhe ver que esta se compraz em torturar as vítimas para negar uma intensa solidão. Mostra-lhe que as mais negativas forças que modelam a humanidade têm os seus admiradores. Há quem venere a Guerra ou suspire pela Morte. Mas ninguém se submete ao patético do sofrimento humano na doença. Ao submeter-se, Dylan ganha a libertação.


Fetichista, surreal e visceral, Mater Morbi é um dos mais surpreendentes episódios da longa série de aventuras de Dylan Dog.