quinta-feira, 31 de julho de 2014

Ficções

Call: Se este conto parecer estranhamente similar ao recém-estreado The Zero Theorem de Terry Gilliam é porque foi escrito por Pat Rushin, o argumentista do mais recente tour de force do realizador. E a estrutura do filme está neste conto, nesta história de um homem isolado que se refere a si próprio na terceira pessoa, trabalha como numbercruncher de algoritmos complexos, que se vê obrigado a desconfortáveis interacções sociais e sofre as atenções de uma beldade atrevida, mas no fundo apenas espera, num progressivo desespero, por um telefonema que nunca mais chega. Ausentes do conto estão o futurismo noir delirante de Gilliam e as linhas narrativas necessárias para dar corpo ao filme, mas a base é clara.

Backscatter: Um intrigante exercício de hard SF saído da mente rigorosa de Gregory Benford. A premissa remete para uma clássica estrutura narrativa de FC, a do astronauta encalhado por avaria ou acidente num planetóide ou asteróide isolado. Neste conto, uma astronauta que faz levantamento de materiais com aproveitamento comercial na cintura de asteróides despenha-se e, enquanto aguarda o contacto dos supervisores que a virão resgatar, faz uma descoberta explosiva. Auxiliada por uma instância de inteligência artificial com rotinas de humor acutilante, explora as cavernas do asteróide e depara-se com uma espécie vegetal alienígena que evoluiu para ser capaz de aproveitar a parca luz solar que chega à cintura de Kuiper. É um conto curto com premissa sólida mas que deixa muitos pormenores inexplicados. Começaria por assinalar o como é possível um ecossistema com apenas uma única espécie vegetal, tendo em conta o que sabemos sobre a complexidade da vida. Outra é o final, algo atabalhoado, com uma promessa de enriquecimento cultivando uma espécie vegetal alienígena pela galáxia fora. Isso e o carácter deus ex natura do conto, uma vez que a descoberta das plantas extra-terrestres é o factor decisivo que salva a astronauta. Mas Benford é um veterano e isso sente-se na leveza com que o conto se entranha, apesar das óbvias incongruências.

Winter Solstice: Um conto já antigo de Mike Resnick, a brincar de forma muito elegante com os mitos arturianos. Resnick imagina Merlin como um homem amaldiçoado a percorrer o tempo no sentido oposto. Vindo do futuro, vive ao contrário. Para ele o passado é desconhecido e o futuro algo que se desvanece na memória. Progride no inverso, esquecendo as maravilhas da ciência enquanto mergulha progressivamente num obscurantismo pré-medievalista, algo que o deixa desesperado. Compreende-se. É particularmente acutilante quando esquece as portentosas naves espaciais do futuro de onde veio que o transportaram entre planetas e considera as estrelas como velas acesas, penduradas num pano de veludo negro.

An Inhabitant of Carcosa: Um conto clássico de Ambrose Bierce, que inspirou Robert Chambers para o seu King in Yellow. Numa paisagem desolada um homem busca pela cidade que ama, acabando por descobrir que se encontra nas ruínas da cidade, contemplando a sua sepultura. O goticismo negro da ambiência deste conto é quase palpável.