quarta-feira, 18 de junho de 2014

Analog Science Fiction and Fact June 214


Analog Science Fiction and Fact June 214. Norwalk: Dell Magazines.

Terminada a leitura desta edição da Analog ficou uma sensação de desilusão. Esperava mais. Espera-se sempre mais e melhor de uma das referências da FC e herdeira da tradição pulp. Há por aqui boas surpresas e ideias intrigantes, mas no global falta-lhe aquela faísca de encanto. Isto, suponho, faz parte do encanto de acompanhar uma revista literária ao longo de várias edições. Por vezes teremos excelentes surpresas, outras ficaremos surpreendidos, e em boa parte delas percebemos que quem lá consegue publicar pode ter muitas virtudes mas não conseguirá ir muito mais longe. Parte do interesse é mesmo esse, perceber quem ao longo do tempo se mantém, desenvolve os seus mundos ficcionais e se tornará um nome marcante no género.

Field of Gravity de Jay Werkheiser: Se se é apreciador do imaginar de desportos futuros,vertente pouco explorada por autores de FC mais amantes dos prazeres intelectuais do que corporais, este é um conto interessante. Se não, tem o seu quê de interesse com a descrição de uma modalidade futura de futebol americano onde os campos contam com geradores de gravidade e modificar a força de gravidade faz parte das estratégias de jogo. Se se gostar de futebol americano percebe-se a dinâmica do conto, se não fica-se a apanhar bonés na maior parte dos parágrafos.

Probability Zero: The Last Time My Computer Went Down por Kate Gladstone: A especulação de FC a divertir-se com ironia, desta vez às voltas com essa coisa complicada que é o computador e incertezas quânticas.

The Journeyman: In the Stonehouse de Michael F. Flynn intriga por uma intricada construção de mundo ficcional que se faz notar com maior incidência na torção que o autor faz à linguagem que coloca na boca dos personagens. Estamos num mundo bárbaro, onde clãs de culturas primitivas lutam entre si em disputas territoriais limitadas, mal se apercebendo do mundo mais vasto que o rodeia. Acima deste nível está um universo mais vasto, interestelar, povoado por astronautas cujas naves destroçadas lançam os aventureiros deste conto numa aventura em busca dos povos que habitam para lá da atmosfera.

The Region of Jennifer de Tony Ballantyne torna-se interessante pela ambiência que o autor consegue criar no curto conto. Tem laivos de steampunk e elegância belle-époque com futurismo onde a tecnologia muda radicalmente a humanidade para que esta sobreviva em planetas terraformados. O núcleo do conto é uma reflexão sobre servidão e submissão a interesses económicos, aqui simbolizados por uma insidiosa espécie alienígena que ao longo de gerações torna as populações que ocupa em escravos voluntários.

Survivors de Ron Collins sublinha que o mercado literário norte-americano vai mais além do que a FC. Se se tirar a este conto os elementos de FC ficamos com uma história banal de amor trágica. Se não os retirarmos ficamos com o mesmo. Seres imortais, únicos sobreviventes de uma civilização consumida por uma estrela que explodiu, vão saltitando de corpos-hóspede na terra enquanto jogam um jogo de aproximações. Soa familiar, não soa? Um conto tão banal que se esquece mal se vira a página.

A Star to Steer By de Jennifer Povey é um conto curto mas poderoso de FC militarista que se centra nas percepções de uma inteligência artificial capaz de sentir emoções. Mente artificial que controla uma nave de combate, sacrifica-se para salvar a humanidade. Posto assim não parece nada de especial, mas a prosa envolvente e eficaz da autora confere ao conto uma boa dimensão literária.

Forgiveness de Bud Sparhawk dá-nos um mundo onde veteranos de uma violenta guerra futura sofrem de amnésia medicamente induzida. Apesar de não se recordarem das atrocidades que cometeram, são indivíduos consumidos por demónios internos, caçados por vingadores que, eles próprios, são ex-combatentes em busca de redenção. A história analisa o triângulo trágico entre um veterano, uma empregada de bar e o sheriff de uma cidade, com segredos de surpreendente revelação. Mas o que é interessante neste conto é tentar procurar no texto indícios da tal guerra que despoletou o futuro desta história.

The Homecoming de J.T. Sharrah encerra, e nada mal, a Analog deste mês. Em essência a história é um mistério policial passado num mundo alienígena, vivido por um jornalista terrestre. Este vai-se embrenhando nos estranhos costumes e nas intrigantes sociedades de um planeta criado como uma zona balkanizada onde as diferentes nações têm os seus curiosos costumes e histórias em comum, entre as quais a de atrocidades cometidas em guerras passadas. Se a narrativa está bem montada e entretém, o que confere distinção ao conto é a liberdade linguística do escritor, cheia de trocadilhos e duplos sentidos que dão cor e textura ao texto.