Esta anda a passar despercebida, se calhar intencionalmente. O governo está a preparar um despacho que visa punir declarações públicas de elementos de serviços que prejudiquem a sua imagem ou representem quebras de confidencialidade. A ideia é que as instituições públicas incluam nos seus códigos normas restritivas, sistemas de monitorização e formas de punir quem dos seus funcionários ou colaboradores, em meios de comunicação social, faça declarações interpretada como prejudiciais à boa imagem das mesmas. Estas poderão fazer uso dos meios que entenderem para investigar potenciais infracções. Isto é um óbvio atentado à liberdade de expressão e privacidade.
À partida é uma proposta aparentemente inútil. Os funcionários públicos estão obrigados ao dever de confidencialidade. Se eu, como professor, vir divulgar os dados confidenciais dos alunos a que tenho acesso ou fazer algo tão simples como publicitar uma actividade com alunos com fotos de crianças para as quais não tenho autorização dos respectivos encarregados de educação, poderei sofrer as consequências legais disso. Se forem proferidas declarações públicas sobre instituições ou seus elementos que sejam falsas, difamatórias ou injuriosas, também há leis e processos legais para aferir factos e, se necessário, punir actos. Para quê isto, se já existem mecanismos legais? E sublinhe-se o legais, com a necessidade de rigor e diligências.
Talvez porque o verdadeiro objectivo seja o de amordaçar vozes discordantes. Este governo e as forças que o apoiam e dele beneficiam têm contado com o beneplácito das linhas editoriais dos principais meios de comunicação social. É algo notório no teor acrítico e propagandístico das notícias e alinhamentos de notícias nos meios de comunicação de maior penetração mediática. Espera-se dos jornalistas isenção, não transcrição acéfala de comunicados governamentais sem as mais elementares revisões de factos afirmados. Das linhas editoriais espera-se equilíbrio de posições, não mistura de alarmismos de base duvidosa com propaganda pura. Já as vozes críticas dos colunistas têm normalmente em comum o perceberem muito pouco do que criticam quando falam das vertentes mais minuciosas dos serviços públicos, ficando-se habitualmente pelo lugar-comum ideológico.
As críticas mais certeiras, eficazes por serem feitas com conhecimento das condições reais do terreno, às decisões tomadas por políticos e responsáveis governamentais cujos efeitos são prejudiciais à qualidade dos serviços públicos têm vindo de vozes independentes. Estas fazem uso dos novos media para falar do que conhecem, contrapondo às demagogias e frases feitas dados concretos, opiniões fundamentadas e críticas sustentadas. São vozes que incomodam, por não estarem incluídas no pacote de jornalismo acéfalo e colunistas válvulas de escape que caracteriza a confortável almofada mediática que têm transmitido uma imagem positiva de decisões e políticas prejudiciais ao país. Esta é uma óbvia forma de silenciar a dissidência, amordaçando quem critica com conhecimento de causa com normas que violam direitos elementares.
A proposta é vaga e generalista, o que é outra táctica de intimidação. O que é que constituirá "declaração pública prejudicial à imagem"? Crítica certeira? Revelação de processos de trabalho e mecanismos internos com resultados nocivos sobre o funcionamento de instituições? Resmungo numa rede social depois de um dia de trabalho que correu mal?
Esta é mais uma lei danosa, saída de um governo a soldo de interesses específicos que se especializou em reformar o país (deturpando o conceito de reforma) desmantelando o bem público com um zelo messiânico. Suspeito que com um parlamento clientelar e um presidente da república tão zelota do neoliberalism uma lei destas passe sem pestanejar. Já se percebeu que na comunicação social isto não passou de nota de rodapé. Liberdade de expressão? Isso não interessa, interessa é manter o respeito pelas instituições e os senhores doutores que as tutelam, e não deixar passar cá para fora os desmandos, incompetências ou destruições deliberadas. Porque a transparência é boa ideia apenas quando se quer implantar mistificações na opinião pública. Não resisto a reflectir que o salazarismo do respeitinho é muito bonito ainda está demasiado enraizado no carácter português.