sexta-feira, 18 de abril de 2014

Analog Science Fiction and Fact Vol. 134, #04


Que boa surpresa, pensei ao entrar na Tema em busca da Interzone e deparar com a Analog. Tive de esfregar os olhos e mirar com atenção, não fosse alguma edição mais antiga que andou esquecida em fundos de colecção e agora estivesse no escaparate a tentar coleccionadores. Mas não, era mesmo a Analog mais recente, e pelo que já ouvi parece que é capaz de regressar aos leitores portugueses. A Asimov seria melhor, no meu ponto de vista que sempre teve um fraquinho por ela, mas a Analog não está nada mal. Até porque são revistas-irmãs. Claro que hoje há formas legais ou nem por isso de ler digitalmente estas revistas, mas nisto há uma certa componente emocional de fisicalidade. Gosto de me deslocar à loja, folhear, e adicionar às prateleiras. É uma fraqueza analógica que ainda me aflige, diria.

Surpreende-me a imutabilidade da revista. Os últimos números que estão nas minhas estantes têm um hiato apreciável com este e pouco, ou nada, mudou. Continua o foco na hard SF, as colunas e momentos editoriais estão no mesmo sítio, e continua a ter um artigo de especulação científica pura para fazer jus ao Fact do título.

A Fierce, Calming Presence - Conto de Jordan Jeffers com algumas variantes interessantes ao western in space. Um ecologista desloca-se a um asteróide colonizado por mineiros na orla do sistema solar para resolver o problema levantado por ataques de gaivotas semi-inteligentes nativas aos colonos. No processo vê-se envolvido numa conspiração para exterminar a vida autóctone no asteróide, aumentado a margem de lucro das empresas de exploração mineira. Esta história de criaturas aladas semi-inteligentes num asteróide nunca é bem (ou sequer) explicada, mas estamos no campo da estética da fronteira do velho oeste transplantada para o espaço, onde as clivagens entre governos centrais e espíritos libertários e um sentido do exótico se sobrepõem ao realismo especulativo de base científica.

Pollution - uma surpresa interessante, misturando robótica, zombies e preconceitos sociais. Num mundo futuro zombies criados por um vírus de preservação de vida, com a massa cerebral inútil substituída por processadores, são uma nova forma de trabalho escravo. Um americano deslumbrado pelo Japão aprofunda o seu conhecimento do país e a sua peculiar cultura enquanto dá aulas de inglês em Nagoya. Responsável por um zombie avariado, trava conhecimento com uma sub-classe de japoneses, tradicionalmente relegados como indesejáveis. E, num clássico final irónico de FC, entra em coma devido a um acidente e é transformado num zombie robótico para passar uma segunda vida como serviçal automatizado. Conto de Don Webb.

The Oracle of Boca Raton - há coisas que se lêem e relêem e fica-se sem preceber sobre o que versam. Nalguns casos são textos de reconhecida complexidade, mas na grande são maioria desastres literários. É o caso deste conto de Eric Bayliss, texto desconexo que não consigo perceber como é que passou o crivo editorial. Vai traindo alguma nostalgia pelo futurismo da FC clássica no meio da algaraviada, mas pouco mais se compreende deste texto.

Wind Reaper - Então e o resto, pensei depois de terminar esta curta vinheta de John Hakes escrita num estilo muito descritivo. Junta como ingredientes futuros pós-apocalípticos e turbinas de vento numa história onde aeronautas especializados em caçar energia de furacões são capturados pelas forças de uma cidade costeira que os acusa de roubar a energia eólica que recolhem no seu parque de aeroturbinas. Soube muito a pouco.

It's Not ‘The Lady or the Tiger?’, It's ‘Which Tiger?’ - a palavra empreendedorismo é o sufuciente para despertar arrepios intelectuais. Ian Stroch cria aqui o sonho húmido dos jovens neoliberais com um pendor para a FC: um eterno empreendedor, que destrói as suas empresas mal começa a ser bem sucedido porque lhe interessa mais o desafio do que a estabilidade financeira e laboral, que é convidado por um seu descendente vindo do futuro a colher os frutos do seu sucesso.

Whaliens - Lavie Tidhar num registo delirante de FC bem humorada. Baleias alienígenas inteligentes que ameaçam destruir a terra se não se puderem converter a uma das nossas religiões (mormonismo e cientologia ficam de parte e tornam-se baleias judaicas), escritores de FC arrebanhados pelos serviços secretos para ensinarem os políticos a lidar com as ameaças alienígenas, e os verdadeiros donos do planeta: gatos com poderes psiónicos, que por detrás da aparência plácida manipualam a vontad dos humanos e se vêem ameaçados pela presença das baleias extraterrestres. Uma sátira auto-crítica cheia de ironia que nos faz sorrir com o dissecar das idiosincrasias da FC e caricatura traços de personalidade dos seus maiores nomes.

Lockstep - A Analog publicou o recente romance de Karl Schroder em episódios, mantendo uma tradição clássica nas revistas do género. Sendo uma parte de algo mais vasto não me atrevo ainda a analisar com cuidado. Fiquei surpreendido pelo conceito - uma civilização que se desenvolve e se espalha pelo espaço graças à criogenia e que se sincroniza num ritmo de hibernações. O que para os seus habitantes são curtas décadas para o mundo em tempo real são milénios, e nesses milénios novas civilizações despontam e novos planetas são abertos à colonização. É uma visão interessante sobre dois elementos clássicos da FC, a hibernação criogénica com os seus efeitos de dilatação temporal e a colonização do espaço interestelar. Por outro lado o motor do romance pareceu-me demasiado centrado nas intrigas familiares dos elementos da família que há décadas-milénios (depende do ponto de vista) liderou o exílio para o espaço e mantém o controle sobre a tecnologia de criogenia.