quarta-feira, 12 de março de 2014

Vanished Kingdoms


Norman Davies (2011). Vanished Kingdoms: The History of Half-Forgotten Europe. Londres: Penguin.

Este livro lê-se como um guia turístico para nações desaparecidas, cheio de curiosidades históricas sobre países europeus que tiveram o seu momento na história para depois serem absorvidos pelas entidades nacionais que hoje conhecemos, ou por evolução política e dinástica ou por invasão arrasadora. É um curioso companheiro de leitura para o Dicionário de Lugares Imaginários, livro onde as geografias de ficção encontram um cantinho num vasto catálogo, mas neste Vanished Kingdoms as geografias existem, algumas das memórias perduram nos nomes de lugares mas a maior parte destas está consignada a registos históricos empoeirados, mencionados de relance nos guias de viagem mas em grande parte esquecidos pela história oficial. Um esquecimento que nalguns casos vem do peso dos tempos, noutros de escolhas políticas pouco inocentes.

Davies leva-nos num périplo por uma Europa desaparecida, dando-nos a conhecer estados e nações dos quais hoje poucos indícios restam. Vamos da Escócia dos clãs à proto-Inglaterra imortalizada nas Lendas Arturianas. Passamos pela península ibérica e a costa mediterrânica francesa para ficar a conhecer os reinos que deram origem à moderna Catalunha e ao sul da França contemporânea.

Mergulhamos nas terras obscuras para lá das antigas fronteiras do império romano para saber que potentados se levantaram nas terras que hoje são alemãs, polacas, bálticas, russas e de outras nações eslavas de histórias convolutas e manchadas de sangue. As tropelias da união entre o reino da Polónia e o Grão-Ducado Lituano ainda hoje marcam os mapas e movimentações histórico-políticas nessa extensão selvática que é o leste europeu... e ficamos a saber que a visão dos eslavos como bárbaros selvagens, ainda hoje tão prevalente quanto falamos dos russos e vizinhos, foi deliberadamente criada pela xenofobia dos diplomatas vienenses do Império Austríaco, para sublinhar o seu papel como defensores da luz da civilização junto à fronteira selvagem. Se os americanos tiveram o seu wild west os europeus descobriram o seu wild east, e no processo esqueceram a riquíssima tradição cultural eslava, da qual pouco resta depois das cinzas da II Guerra. As marcas deste ideário ainda hoje persistem.

Descobrimos que o último rei italiano teve a sua origem dinástica no que hoje é um plácido departamento da França alpina, e só essas histórias sublinham a vitória patética de ambições aristocráticas ou governamentais sobre as tradições locais. O processo de transformação da Sabóia de reino que deu origem à monarquia romana deposta em 1945 por um país no rescaldo do fascismo em província francesa está cheio de expansões e entregas de territórios a potências estrangeiras para facilitar o aumento de prestígio dos suseranos.

Nem o obscuro Montenegro é esquecido, país que ressuscitou após o colapso jugo-eslavo e que detém a dúbia honra de ter sido o único país aliado vencedor da I guerra mundial que foi entregue e absorvido por outro país vencedor. A realpolitk sempre foi suja e os parágrafos da história não chegam para contrariar as glorificações oficiais.

Termina com a ascensão e queda do último grande império europeu, o corpo político denominado URSS que dominou um imenso espaço geográfico e polarizou o mundo na segunda metade do século XX. E não esquece a singularidade histórica de um país que existiu durante apenas um dia, no território hoje conhecido por carpátia ucraniana.

É provável que outras histórias possam ser contadas, outros países pulverizados pelo devir histórico, incorporados a bem ou a mal na europa que hoje conhecemos. O que fica deste livro, para além das curiosidades pitorescas e das histórias que inspiram a imaginação com intrigantes e ses, é uma sensação da inutilidade das lutas galvânicas. Quantos patriotismos, quantas decisões, quantos nobres éditos, quantas declarações de lealdade até à morte, quantas importâncias não são hoje pó, mal recordado pelos registos históricos? Sic transit mundi, diz-se. Tudo passa, e o tempo encarrega-se de apagar as memórias das antigas glórias.