To Kill a Child: Ou a ficção como instrumento pedagógico. Em tempos, Stig Dagerman foi incumbido de escrever algo didáctico para a prevenção rodoviária sueca. O resultado foi este conto compacto e implacável, onde a banalidade bucólica é interrompida pela tragédia absurda. É curioso na forma como pega em todos os lugares comuns possíveis - a família feliz, o casal a descontrair, o gosto pela viagem, o dia radioso de sol e a criança inocente, mistura-os de forma previsível mas arrepiante, e deixa no leitor uma forte sensação de empatia com o que são meras sugestões de personagens.
Tesla Time: A adolescente rouba ao pai as chaves do carro para poder ir para a noite divertir-se, e o pai não se apercebe de nada. Troquem pai por Tom Strong, carro por nave espacial e ir para a noite por festa sem limites numa discoteca num asteróide onde os amantes de folias da galáxia se cruzam. O argumento é de Alan Moore, o que ajuda a apreciar esta delícia.
Reborn: A TOR pediu a alguns escritores que se inspirassem numa ilustração para criar histórias e esta foi a contribuição de Ken Liu. É uma narrativa poderosa, onde a sociedade terrestre sucumbiu perante uma invasão por alienígenas aparentemente imortais. A extrema longevidade tornou os seres extra-terrestres imunes ao poder das memórias, tendo evoluído para mudarem as células cerebrais como as cobras mudam de pele. Periodicamente, mudam de memórias e ao fazê-lo alteram as suas personalidades. De implacáveis invasores metamorfosearam-se em benévolos ditadores, ansiosos por legarem à humanidade as suas avançadas tecnologias. O problema reside na sede de vingança dos humanos traumatizados pela conquista. Apesar de rotineiramente sujeitos a processos artificiais de alteração de memórias, ainda resistem fiapos vestigiais que permitem reconstruir a história de indivíduos constantemente sujeitos a amnésias artificiais. Um conto muito intrigante, misturando o enredo clássico da invasão extra-terrestre com uma reflexão sobre o poder da historiografia e a fiabilidade da memória humana.
¿Podemos celebrar ya la victoria?: E que tal dar um pulinho à FC espanhola, com uma leitura deste intrigante conto de Victor Muñoz, nomeado para os prémios Alberto Magno? Cá fica o resmungo. Por lá há universidades que lançam concursos literários anuais, e não se esgota aí o panorama literário dedicado à FC do lado de lá da fronteira. Por cá... esperemos que os prémios Adamastor criem, finalmente, essa tradição. Por mim gostaria que o Livros de Utopia desse o seu contributo, mas sobrecarregado como estou a coisa anda difícil. Prometo que não desisto, mas com esta vida de professor/administrador de sistemas com pézinho na investigação pedagógica e gosto pela semi-crítica literária que ainda quer arranjar tempo para desenhar e modelar em 3D, e que ainda se vê envolvido em projectos algo áridos mas necessários como auscultar as necessidades de toda uma comunidade educativa, digamos que isto do tempo anda escasso. Mas adiante, chega de resmungos e vamos ao conto que é bem interessante.
Escrito em ritmo space opera militarista, leva-nos a um planeta distante onde a humanidade combate seres biotecnológicos especializados em invadir e modificar o código genético de outras espécies. Medusas gigantes são a mais eficaz arma de combate, capaz de aniquilar batalhões de soldados terrestres. Um grupo de sobreviventes da invasão de uma colónia distante está a retirar para o ponto de evacuação quando se deparam com uma unidade secreta que conseguiu o impossível: utilizar a tecnologia terrestre para controlar os bioconstructos alienígenas. Aguerridos, estes ficam para contra-atacar os invasores e resta ao pelotão de sobreviventes chegar à cidade escolhida como local de evacuação. A sua sobrevivência é imperativa, pois transportam consigo o segredo que poderá dar a vitória à humanidade. Mas a vitória ainda está distante, e é preciso atravessar uma barragem de máquinas extra-terrestres e sobreviver aos ataques imparáveis.
O ritmo forte alicerça-se naquele tipo de vocabulário tecno-futurista que os fãs de FC tanto gostam. A sugestão de tecnologias avançadas, mecanismos dos sonhos tecnológicos e paisagens de aventura alienígena reforçam a solidez do mundo ficcional deste conto. Daqui, ficou aberto o apetite para ficar a conhecer melhor o que se escreve de FC no lado de lá da fronteira.