segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Comics


2000 AD #1861: Dizem as línguas bem informadas da Forbidden Planet que esta edição da 2000 AD é uma limpeza para preparar o terreno para uma nova série épica de histórias. E diga-se que todas as narrativas em seguimento concluem neste prog 1861. Faço minhas as palavras de desilusão dos comentadores da FP. Dose dupla de Flesh? Fizemos algum mal terrível a alguém para levar com a decididamente pouco sã série sobre indústrias futuristas de carne jurássica, que apesar de contar com Pat Mills no argumento tem um estilo de ilustração que teve piada nos anos 60? Do século XX? É que... na mesma floppy... Edginton e Culbard em modo totalmente awesome a encerrar o segundo capítulo de Brass Sun. Ainda por cima encerra com um gostinho a mundo flutuante com dirigíveis e aventuras nos ares...


Hellboy in Hell #05: Mignola pode estar a manter Hellboy em lume brando mas não esqueceu a personagem. Afastou-a da continuidade narrativa das séries mas vai mimando os fãs e leitores com o deslumbrante Hellboy in Hell, um regresso às origens narrativas da série. Histórias simples, discretas, bem escritas e sem grandes panoramas narrativos de fundo, e o traço sintético e elegante de Mignola. É o que chega para fazer um excelente comic.


Rover Red Charlie #01: Mistura-se Garth Ennis com cãezinhos de ar simpático e Avatar Press. Só pode dar coisa boa. E escatológica, que esta editora não poupa na tinta vermelha. A nova série de Ennis mostra-nos as desventuras de três amigos caninos no meio de um apocalipse (ia escrevendo do apocalipse, mas convenhamos que com tanto apocalipse no cinema, comics e literatura de género o fim do mundo tornou-se coisa banal). Lê-se como um cruzamento entre Crossed e We3 de Grant Morrison. O apocalipse visceral em que os homens são tomados por inexplicáveis ímpetos assassino tem tudo a ver com o violento Crossed, bem como o artifício narrativo do périplo de sobreviventes no meio da destruição. Quanto aos animais, é a volta que o argumentista dá a esta estrutura narrativa para não ser mais do mesmo. Histórias de grupos de sobreviventes em cenários apocalípticos com criaturas monstruosas estão na moda e arranjam-se ao quilo. Ou talvez Ennis esteja a tentar criar o seu We3, comic de Morrison soberbamente ilustrado por Frank Quitely sobre animais usados como armas robóticas e depois descartados que não deixa nenhum leitor sem uma lágrima no canto do olho e coração apertado. Se for essa a visão, será sem dúvida interessante, uma vez que o argumentista de Preacher, Battlefields e tantos outros implacáveis comics não se distingue pelo sentimentalismo. Os cães são bonitos mas certamente que coisas más lhes irão acontecer.


Stormwatch #26: As continuidades que sigo na DC estão um perfeito lamaçal, com o tie-in Trinity of Sin a revelar-se um tédio que contamina Justice League Dark, Constantine e Phantom Stranger, Swamp Thing encontra-se num pouco criativo processo de reinvenção, Batman não anda melhor, e do resto não sou fã. Superman agrada-me pelo ícone mas agora paciência para o ler é que já não se encontra. Resta talvez este Stormwatch como o único título interessante no momento. Se bem que a série já levou uns tombos desde que Warren Ellis a criou para a Wildstorm. Recuperada pela DC começou por ser similar ao anterior modelo mas depressa foi reformulada para padrões mais conservadores. Curiosamente não se livraram do problema Apollo/Midnighter, talvez porque hoje seja de bom tom ter uns salpicos de personagens homossexuais para dar um ar moderno ao comic. Como já os tinham herdado da Wildstorm não os desfizeram. Já o mesmo não se passou com Batgirl, que depois do estrondoso arranque foi forçada a baixar o tom pela equipe editorial da DC (o que levou à demissão da argumentista e a uma justificada revolta dos fãs). Mas o meu destaque para Stormwatch não tem a ver com o ser um dos raros títulos que assume a sexualidade dos seus personagens sem ser dentro do estereótipo da ingénua mulher escultural e do herói musculado.

Os argumentos da série foram entregues ao veterano e classicista Jim Starlin, criador de Dreadstar e responsável por algumas das melhores fases de Silver Surfer. Fiel a si próprio, Starlin direccionou Stormwatch para um estilo space opera cósmica, quebrando completamente com os moldes anteriores, recuperando alguns personagens menores esquecidos nos ficheiros de propriedade intelectual, e desviando o foco da série de aventuras estranhas e conspirações para aventura clássica em vastos panoramas galácticos. Guerras interestelares, forças alienígenas e aventuras noutros planetas passaram a ser os ingredientes do comic. Só por isto já seria notável, mas o argumentista ainda se distingue noutro aspecto. Num momento em que os comics mainstream estão particularmente vazios de ideias, Starlin anda a querer passar mensagens que vão além do simples entretenimento. No corrente arco narrativo a organização está a combater uma ameaça conhecida como Kollective, uma poderosa raça alienígena de poderes místicos que se sente um pouco só nas paisagens cósmicas e vai saltando de planeta em planeta para tentar reconverter os nativos e colocá-los no caminho de desenvolvimento que consideram correcto. Só esta ideia é uma poderosa metáfora para a reinante praga ideológica neoliberal. Mas vai mais além. Sendo uma raça de místicos, os Kollective pensam que para que outras espécies evoluírem nesse sentido é preciso erradicar tudo o que tenha a ver com ciência e tecnologia. O resultado são inúmeros mundos devastados pela regressão a um estado semi-selvagem, dizimados por doenças curáveis ou consumidos por ódios obscurantistas. Procurando elevar as espécies sentientes dos mundos onde intervéem os kollective acabam por deixar atrás de si um rasto de extermínio. E como são teimosos olham para a Terra como novo alvo dos seus ideais de salvação. Este subtexto é mais óbvio e prende-se com o alastrar da desconfiança alicerçada em ideologias místicas ou religiosas com a ciência pura. É uma forma de Starlin caricaturar os pais que acham que as vacinas são prejudiciais às crianças, aqueles que afirmam a pés juntos que essa coisa da evolução é um disparate pegado, temerosos dos possíveis apocalipses das experiências de física avançada ou outros fãs do lançar anátemas sobre o progresso científico. Enquanto isso os outros títulos da DC ficam-se pelas mãos que lançam raios ou a enésima variante do recontar da história do homem que coloca uma máscara para combater o crime.


Trillium #05: Na Vertigo Jeff Lemire anda a divertir-se com a gramática da banda desenhada, reinventando a forma narrativa dos comics. Trillium por si só já é uma belíssima história de ficção científica, onde colidem passados, futuros e alienígenas misteriosos. Lemire leva a história mais longe experimentando livremente com a forma como a narrativa é organizada na BD. Começou por contar histórias em paralelo que colidem no centro da floppy. Inverteu a lógica das séries delimitadas no tempo finalizado a história no meio. Agora recomeça, baralhando os elementos narrativos, e repete a mesma narrativa em forma de espelho, obrigando o leitor a releituras cíclicas. Este é um nível de experimentalismo raro de encontrar nos comics mainstream.


The Star Wars #04: Diga-se em justiça da equipe que está a adpatar o rascunho original do que se veio a tornar o marcante Guerra nas Estrelas que demoraram a mostra-nos o primeiro Han Solo. É talvez das maiores curiosidades desta série que nos mostra os primórdios de personagens e elementos icónicos que nos estão gravados na memória. Alguns são curiosos, outros são inesperados, e este... digamos que esta criatura verde é mais Tars Tarkas do que Harrison Ford. Aliás, desta versão original nota-se a profunda influência dos espaços visuais e ficcionais de Edgar Rice Burroughs em A Princess of Mars e Alex Raymond clássico em Flash Gordon. Han Solo como simpático monstro verde. Desta não estava à espera. Já a cena da cantina está quase igual.


Think Tank #011: Este comic de Matt Hawkins é leitura obrigatória para todos os que se interessam pelos surtos de futurismo que modelam o mundo contemporâneo. Partindo da premissa do cientista irreverente de sanidade mental questionável e brilhantismo estelar que trabalha a desenvolver tecnologias bleeding edge. Essencialmente é uma boa desculpa para o argumentista de debruçar sobre tecnologias hipermodernas e geo-estratégia. Computação avançada, drone aesthetics, engenharia genética e interesses governamentais obscuros colidem com as monolíticas organizações militares. Para desenganar aqueles que achem que as tecnologias e ideias demasiado rebuscadas o comic termina sempre com indicações de pesquisa onde se pode ficar a saber mais sobre estes assuntos, acessível em sites de elevada fiabilidade. Na corrente linha narrativa Hawkins pega nesse elefante geopolítico que são as tensões entre a China e os EUA no mar da China, e não se esquece que as piores guerras são despoletadas por pequenos eventos e que os chineses dispõem de mísseis balísticos capazes de abater num só tiro o símbolo do poderio aero-naval norte-americano, o super-porta-aviões. A ilustração precisa de Rahsan Ekedal dá uma dimensão realista a histórias intrigantes e bem alicerçadas.