sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Doctor Who: Nothing O'Clock


Neil Gaiman (2013). Doctor Who: Nothing O'Clock. Londres: Puffin.

Bolas, que o Gaiman faz tudo parecer tão simples. Mete-se com o lendário e já quinquagenário Doutor e sai uma leitura destas. Gaiman não é estranho à série, tendo assinado dois episódios, e para terminar em grande as edições comemorativas do aniversário do personagem dá-nos este brilhante Nothing O'Clock. Escrito numa prosa leve e escorrida, com aquela elegância narrativa que tanto faz o estilo, recupera os Kin, sinistro vilão da série que é ao mesmo tempo um indivíduo e uma espécie, graças à capacidade de instanciar múltiplas cópias de si próprio dos passados e futuros num momento único. Escapando de uma prisão construída pelos extintos senhores do tempo, decide conquistar o planeta favorito do único senhor do tempo sobrevivente. Segue-se a conquista financeira da Terra e extinção de uma humanidade tornada sem abrigo. Resta ao Doutor salvar a humanidade, recuando no tempo até ao momento da invasão e cair numa armadilha dos Kin, que acaba por se revelar uma dupla armadilha. Raptado pelo(s) Kin, Dr. Who é obrigado a recuar até ao início dos tempos para que esta espécie se multiplique infinitamente e extinga qualquer outra vida no universo. Mas o inefável Doutor atrasa-se um bocadinho e larga-os no segundo que antecede o Big Bang, onde ainda não há passados e futuros para a criatura se multiplicar. É uma forma elegante de a condenar à não existência, aprisionando uma criatura que se multiplica no tempo num momento onde o tempo ainda não existe.

Para além da boa história e expectável elegância narrativa Gaiman não se esquece das excentricidades linguísticas do Doutor. Logo de início faz um dos melhores usos dos timey wimey shapey, aquela forma que o Doctor tem de transformar nomes em adjectivos imortalizada no fabuloso episódio Blink. Aliás, se Blink legou o don't blink como meme de terror este Nothing O'clock lega o what time is it como gatilho de apocalipses, uma vez que é a frase que permite aos Kin iniciarem o processo de multiplicação. Como Drácula, que tem de ser convidado para passar a soleira da porta da casa que condenará ao desespero. Por isso, could you tell me what is the time?