segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Interzone #248


Depois do descalabro da edição #247, temi que esta seguisse o mesmo caminho. Mas não. As escolhas editoriais foram sólidas, o padrão narrativo consistente e isso traduz-se numa edição que nos dá contos muito interessantes para ler. Mesmo os mais fracos não atingem a mediocridade da edição anterior. O destaque óbvio vai para o delicioso conto de James VanPelt, uma daquelas pérolas literárias inesperadas que de vez em quando temos a sorte de inesperadamente encontrar. E, claro, a coluna de David "Ansible" Langford é um vício e Future Interrupted está a revelar-se ser um espaço de meditação profunda nas características, fraquezas e forças da Ficção Científica enquanto voz literária.

Ad Astra: Isolados no espaço, durante uma longa viagem aos confins do sistema solar, um casal começa a desagregar-se. O isolamento prolongado e as dúvidas sobre a sua pertinência numa missão em que tudo parece ser automatizado reduzem os dois tripulantes à amargura multiplicada pela distância incomensurável que os separa de casa. No final da história percebem o inevitável: não há regresso desta viagem às estrelas. Conto sólido de Carole Johnstone, que alia à perspectiva feminina uma visão de possíveis missões espaciais dependentes do gosto e boa vontade de patrocinadores milionários.

The Hareton K-12 Country School and Adult Extension: Decididamente o ponto mais alto desta edição da Interzone. Este conto de James Van Pelt é uma delícia literária. Não consigo perceber o que mais me atraiu nele; se o carácter borgesiano, partes remeteram-me para A Biblioteca de Babel com a visão de um edifício/organização que se vai estendendo até ao infinito; se pela magia narrativa de uma história que apela ao romantismo da profissão docente com uma escola ficcional que se torna metáfora para o enraizamento das aprendizagens na alma humana e a importância real da educação como espinha dorsal social; se os toques de FC numa visão que aparentemente parece fixa no tempo mas que nos vai revelando uma progressão inexorável do qual um elemento permanece constante. Esta história de um edifício escolar que resiste ao tempo e vai crescendo de formas orgânicas e misteriosas é um perfeito encanto.

Dark Gardens: Conto com um bem conseguido ambiente de estranheza. O novo dono de uma casa pertencente a um magico desaparecido descobre um estranho segredo oculto debaixo do alçapão que dá acesso a um mundo submerso povoado por criaturas similares a manequins. Com estes vem a obsessão, que já consumira o anterior dono, de interlaçar os manequins humanóides com a vida humana. Uma bizarria contada com o estilo mais normal possível de Greg Kurzawa.

Il Teatro Obscuro: Pequena vinheta de fantasia, mais interessante pelo profundo estilismo narrativo do que pelo conteúdo. Um luxuoso teatro decaído e abandonado povoa os sonhos nostálgicos de um velho compositor que deambula pelas ruas perigosas de uma cidade onde o progresso significou decadência. Conto de Ken Altabef.

Technarion: Um belíssimo final para esta edição da Interzone. Conto longo de Sean McMullen, mistura de forma intrigante space opera, cyber-, steam- e electropunk numa história onde acompanhamos as desventuras de um técnico brilhante contratado para ajudar um milionário implacável a construir um engenho analítica. Visionários da electricidade numa época vitoriana onde todos crêem no vapor, este técnico e os seus companheiros desenvolvem uma versão arcaica da tecnologia digital com base no que pensam ser emissões em código morse de organizações com interesses similares. Uma jovem americana contratada como dactilógrafa para programar os engenhos vem a revelar-se ser uma quase imortal agente de uma civilização alienígena cuja missão é travar surtos de desenvolvimento de tecnologia computacional como parte de uma longa guerra travada pelos seus contra máquinas inteligentes. De fantasia cibernética vitoriana o conto termina no presente contemporâneo, com a óbvia observação de que a missão falhou e a humanidade está fascinada com as máquinas que serão precursoras inevitáveis dos engenhos inteligentes. Nada que o poder de fogo de uma frota alienígena não resolva com um evento de extinção massiva.