quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Ficções

Zero Hours: Criada como antevisão preditiva para visões de futuros londrinos, esta história de Tim Maughan extrapola a corrente tendência de precarização extrema nas relações laborais num futuro próximo. Trabalhadores competem em mercados online para contratos de tempo reduzido. O que se oferecer para trabalhar por menos, ganha o contrato. No final da tarefa, magra recompensa pelos trocos recebidos, acumula pontos que permitem desbloquear emblemas de realização de trabalhos que poderão dar acesso a melhores leilões de contratos. Gamification e precariedade laboral com a tecnologia digital a desempenhar um papel decisivo na flexibilização numa futura sociedade onde todos estão à venda em troca de migalhas são os grandes temas deste conto. O lado preditivo da FC não é um oráculo de futuros mas uma extrapolação extrema de tendências contemporâneas que nos ajuda a perceber o que pode correr mal em vertentes éticas, sociais, técnicas ou económicas. Em poucas páginas Maughan leva ao extremo as práticas hoje já existentes de hiperflexibilização e mostra-nos um retorno às condições sociais vitorianas com tablets e acesso ubíquo à internet. Curiosamente, anda por aí um reality show sobre camionistas que é muito similar: as equipes de filmagem acompanham as aventuras de camionistas que vencem licitações online de transporte ao mais baixo custo. E isto, senhores, é o sonho molhado dos neoliberais.

Equoid: Quando não anda a escrever space operas anti-austeritárias ou futuros próximos onde o virtual e o real colidem, Charles Stross entretém-se a colidir arcanas criaturas monstruosas do além com a árida burocracia de uma agência secreta encarregue de defender o reino unido de ameaças paranormais, cuja designação é carinhosamente traduzível como serviço de lavandaria. Sublinhando as intricacias labirínticas inerentes às burocracias que atormentam um especialista em demonologia computacional nos seus recontros com criaturas do além. Stross, desta vez em modo de conto, diverte-se a desmontar o mito dos unicórnios com uma visão lovecraftiana de monstros gastrópodes que se propagam mimetizando simpáticos cavalinhos com a fálica concha na testa e especialistas em atrair criaturas humanas ou não para devorar e ganhar energia para o processo de gestação. Um perspicaz veterinário de província detecta um surto num estábulo que alberga cavalos geneticamente modificados da polícia e pede ajuda aos serviços, que enviam o desafortunado demonólogo armado com um dossier repleto de cartas de Lovecraft onde este descreve os horrores arcanos dos monstruosos unicórnios. Uma dose curta da bem humorada ficção de horror com toque lovecraftiano, servida com doses saborosas daquele tipo de sarcasmo que Stross tão bem escreve.