segunda-feira, 1 de julho de 2013

Mister B. Gone


Clive Barker (2007). Mister B. Gone. Nova Iorque: HarperCollins.

A inevitabilidade do livro e os perigos da palavra impressa são explorados com um toque de divertimento macabro por Clive Barker neste Mister B. Gone. Jakabok Botch é um demónio patético que rasteja nos recantos escuros do círculo mais profundo do inferno. Acidentalmente pescado, vê-se debaixo dos céus azuis e ameaçado de morte sangrenta por caçadores de demónios especializados em alimentar as fogueiras religiosas com criaturas das profundezas. caindo de peripécia em peripécia, acaba por ser salvo pelo enigmático Quitoon, outro demónio à solta no mundo humano que se dedica a ir visitar as grandes invenções do espírito humano enquanto são inventadas. Depressa formam entre si um forte laço de amizade que Barker vai sugerindo mas nunca afirma poder tornar-se mais do que amizade.

Quitoon leva o desastrado Botch numa viagem pela Europa medieval com destino anunciado: a cidade de Mainz, onde se prepara uma invenção que revolucionará o mundo e transformará a humanidade. Esse invento é, obviamente, a prensa de Gutenberg e ao facilitar o acesso à palavra escrita iniciou uma revolução que fracturou a humanidade, ajudando a massificar a disseminação da informação e provocando assim um corte total com os hábitos e costumes das eras mais obscurantistas onde o domínio dos mitos e instituições neles baseadas era completo. Nãoé  por acaso que Barker retrata Mainz e a oficina de Gutenberg como o epicentro de uma batalha mística entre anjos e demónios não pela destruição do engenho, que sabem ser inevitável, mas pelo controle da palavra escrita, definindo que tipo de texto pertence aos céus ou aos infernos. Esta discussão é uma clara sátira aos excessos cometidos em nome da propriedade intelectual na era digital.

Barker é um mestre contador de histórias macabras. Se o espírito desta obra tragicómica nos leva a meditar sobre obscurantismos, mitologias e a importância da palavra impressa para libertar a humanidade de grilhões a rotina das páginas é uma história de aventuras onde um demónio vai conversando com o leitor, contando-lhe a história da sua vida entrecortada com ameaças constantes que são um pedido velado de libertação. Testemunha dos acontecimentos portentosos entre os céus e os infernos no momento em que Gutenberg inicia a impressão dos primeiros livros, o olhar curioso de Botch é castigado com a incorporação num dos primeiros livros. Nada corre bem a este demónio trapalhão, que nada mais desejaria do que uma pacata vida a torturar almas culpadas nas profundezas do inferno mas que, testemunha de portentosos acontecimentos que mudam a história humana, acaba castigado até à eternidade.