quarta-feira, 10 de abril de 2013

Ineficácia

Pergunta discreta: porque é que tanto nos querem convencer que o estado social é um luxo insustentável? Para quê tanto esforço de responsáveis políticos e comentadores para demonstrar que saúde, educação e segurança social são um peso insustentável para o nosso país? Notem:

Cada escola pública gratuita representa uma menor possibilidade de rendimento acrescido para escolas privadas. Como é difícil convencer os cidadãos a pagar por aquilo que têm direito gratuitamente, o caminho tem de ser o da aniquilação do sistema de ensino público. Cada professor do ensino público é um profissional que não está a ser rentabilizado (leia-se mal pago e sobrecarregado de trabalho) numa instituição privada, impedindo gestores e empreendedores de terem um dinheiro extra para investir em carros de alta cilindrada. Despedimentos generalizados poderão mitigar esta clara e injusta desigualdade. Note-se ainda que o investimento num sistema de ensino igualitário representa uma outra claríssima injustiça para crianças provenientes de famílias meritórias, que têm de concorrer em pé de igualdade com outras crianças cujo destino natural seria a mera aprendizagem de uma profissão honrada que lhes permita ganhar a vida ao serviço daqueles que são por mérito histórico os seus superiores sociais. Os correntes esforços no sentido da redução do ensino público à aprendizagem mais elementar e a clivagem entre ensino global e ensino profissional darão certamente frutos a médio prazo na correcção deste desplante injusto para as pessoas de bem.

Cada utente do serviço nacional de saúde que recorre aos hospitais e centros de saúde representa um seguro de saúde que não é vendido. Claramente uma injustiça para empresas da área dos seguros, que têm de sofrer a concorrência desleal do sector público. Se pertencer aquela faixa de cidadãos que por doença crónica ou rendimentos nunca terá acesso a seguros privados de saúde, tem de compreender que numa sociedade que se quer dinâmica e empreendedora o seu estatuto de elemento improdutivo não lhe confere direito à sobrevivência.

Cada reforma representa um produto financeiro de risco médio que bancos não conseguem vender aos seus clientes. Cada contrato de efectividade representa um seguro contra situações de desemprego que não é vendido. Novamente, estas são claras situações de concorrência desleal. A existência de sistemas de segurança social impede esquemas de flexibilidade e eficiência que, por exemplo, ofereçam salários baixos a trabalhadores para assegurar a sua sobrevivência e menores custos de produção numa economia que se quer dinâmica e competitiva. O caminho da inovação passa necessariamente pelo custo baixo da mão de obra, para que os inovadores possam investir em sinais de riqueza exterior que são uma pequena e justa recompensa pelo seu esforço e trabalho.

Falta só observar que cada polícia nas ruas representa um segurança no desemprego, que a existência de forças policiais públicas é uma afronta que impede que empreendedores privados gerem valor acrescentado à economia através de sistemas pervasivos de videovigilância ou empresas de segurança onde homens fardados identificados com coloridos logotipos patrulhem os espaços públicos para maior segurança de todos.

E finalmente, porque cada verba canalizada para serviço aos cidadãos é menos uma verba utilizada numa negociata entre empreendedores privados com ligações amigáveis a responsáveis públicos. Por cada gasto com educação, saúde e segurança social há dinheiro que não é aplicado numa renda de parceria público-privada, estímulo financeiro a bancos com gestão danosa ou projectos de contornos obscuros onde a diferença entre os valores que são gastos e as obras que são construídas se traduz no enriquecimento súbito de alguns empreendedores. O uso de dinheiros públicos para serviços sociais é um desperdício ineficiente baseado numa ideologia obsoleta que já não se justifica numa moderna sociedade dinâmica e empreendedora. Lembrem-se: cada cêntimo gasto com o bem comum é menos um cêntimo disponível para engrandecer o bolso de um milionário. Perceberam?