Why is the future always … in the future? (p. 104)
Momento where's my jetpack ou o desabafo desiludido de quem conhece o ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico que, por rápido que seja, nunca se consegue aproximar das aspirações humanas. Vemos sempre mais longe do que onde podemos chegar com a tecnologia contemporânea.
brash-colored billboards and luminous adverts proved inescapable, because they all blared on channel one … the layer you can’t turn off because it’s real." (p. 120)
Boa parte deste romance envolve a ideia de realidade aumentada. No futuro próximo, as barreiras entre o mundo real e o digital são estabelecidas por uma ténue fronteira de óculos ou lentes. Vendo o mundo por lentes virtuais, podemos ajustar o que vemos aos nossos desejos. Brin apenas extrapola as tendências correntes na integração entre o homem e o digital, com um olhar crítico sobre privacidade, crowdsourcing, smart mobs e a capacidade individual de sobreviver no meio de constantes fluxos de informação.
Zheng He’s voyages brought home tribute, trade, and knowledge. Had they continued, Chinese armadas might have sailed into Lisbon Harbor, in time to astonish a young Prince Henry the Navigator with ships the size of cathedrals. (p. 285)
Um aviso e reflexão sobre o conservadorismo. Poderíamos estar melhor, mais avançados. Ou talvez colapsados sobre um apocalipse global. Alguns caminhos promissores da história pararam pela decisão consciente de elites que perceberam que desenvolver o conhecimento e a tecnologia colocariam em perigo a sua posição privilegiada. Paralisar uma sociedade para manter o status quo. Já aconteceu. Brin quase grita neste livro que está a acontecer novamente.
her parents and tutors had explained the obvious—that people aren’t naturally democratic. Feudalism was the prevalent human condition erupting in all eras and cultures, since history began to be recorded on clay tablets. Even in modern films and popular culture, the theme resonated. Millions who were descended from enlightenment revolutionaries, now devoured tales about kings, wizards, and secret hierarchies. Superheroes and demigods. Celebrities, august families, and inherited privilege. (p. 405)
Surpreendente, ou talvez não. Brin cria em Existence uma crítica muito óbvia ao corrente estado da sociedade global. Estados endividados, reféns de uma elite invisível de oligarcas financeiros. Almofadas sociais, a luta por uma sociedade mais justa, a diminuição global da pobreza a recuar em toda a linha, particularmente nos países mais desenvolvidos. Democracias lideradas por títeres dos interesses económicos, com todos os sinais a apontar um possível ocaso da democracia e um regresso à legitimidade aristocrática, disfarçada de tecnocracias de índole financeira. Brin anda aos gritos neste livro a dizer que essa tendência é perigosa e ilusória, que os cidadãos do mundo não se podem deixar enganar com mais uma corrida ao poder. Chega ao ponto de criar na história futura que serve de cenário a este livro um momento-pivot na história humana em que as instituições democráticas, fragilizadas, e as populações conseguem deter um golpe levado a cabo pelas elites oligárquicas para abolir a democracia... em 2013. Não se consegue se rmais óbvio que isto. Brin não está a ser muito subtil e nesta vertente atira argumentos caricaturais, talvez porque como boa parte das pessoas no planeta com dois dedos de testa que não pertençam ao rareficado 1%, sente que a ameaça ao progresso humano é bem real, perigosa e urgente.
What was it about a lighter-than-air craft that drew the eye? Oh, certainly most of them now had pixelated, tunable skins that could be programmed for any kind of spectacle. Passing near a population center—even a village in the middle of nowhere—the convoy of cargo zeps might flicker from one gaudy advertisement to the next, for anything from a local gift shop to the mail-order wares of some Brazilian bloat-corp. (p. 434)
Uma extrapolação da ideia contemporânea de utilizar dirigíveis para transporte de carga e passageiros com menores custos económicos e ambientais (uma velha hipótese seriamente discutida com novos protótipos já a voar, talvez seja desta que pegue e grandes baleias cheias de hidrogénio flutuem graciosamente nos céus). Com um aceno de cabeça sorridente à instant city blimp, um dos conceitos provocatórios do colectivo de arquitectura Archigram.
Existence é um infodump massivo de ideias futuristas. Algumas estão mascaradas no enredo, outras literalmente despejadas em capítulos próprios. Brin utiliza a técnica literária de capítulos curtos, entretecidos com excertos de textos jornalísticos, enciclopédicos, citações ou fluxos livres que caracteriza obras como a trilogia U.S.A. de John dos Passos. Técnica eficaz. Ainda me recordo de passar noites a ler o The Big Money ou The 42nd Parallel porque a cadência rápida e a constante barragem de ideias mantém o cérebro alerta e as mãos incapazes de pousar o livro. Na Ficção Científica parece que John Brunner inaugurou o uso dessa técnica com o Stand on Zanzibar, mas como ainda não o li não me pronuncio sob risco de largar patacoada.
Brin fez bem o trabalho de casa e desvenda-nos extrapolações para um futuro próximo de ideias que circulam entre os futuristas contemporâneos: impactos do aquecimento global, bleeding edge tecnológica, intrusão do mundo virtual no real, ameaças terroristas, movimentos sociais que modelam o estado das coisas, influências de clados elitistas, e uma a ideia de distribuição não-uniforme das maravilhas do futuro que tornam muito realistas as visualizações com a coexistência de diversos níveis de tecnologia na mesma realidade. E, claro, imensas discussões do paradoxo de fermi.
David Brin (2012). Existence. Nova Iorque: TOR.