terça-feira, 14 de agosto de 2012

Dívida Sonora

Devo a Stanley Kubrick a aprendizagem do gosto pela música erudita contemporânea. Ao ouvir a música que acompanhava os momentos mais assustadores de The Shining ou as vastas paisagens cósmicas de 2001 fiquei com a curiosidade desperta. De onde viriam aqueles sons por vezes dissonantes, tão alheados das experiências musicais mais acessíveis, audições complexas que tocavam as profundezas da alma? Graças a estes filmes descobri a grandiloquência de Penderecki, a precisão de Bartok, o silêncio gritante de Pärt e o lirismo de Ligeti. Confesso que sem estes visionamentos na adolescência possivelmente hoje desconheceria estas sonoridades, ou repudiá-las-ia como dissonantes e inacessíveis. São difíceis de ouvir, mas não inacessíveis. Basta deixar ressoar na alma.

Outra grande surpresa que o ciclo de cinema dedicado pela Cinemateca a António de Macedo foi a qualidade sonora dos seus filmes. Mais do que música a acompanhar a imagem e a sublinhar a narrativa, a banda sonora dos filmes que vi adquiria carácter próprio, oscilando entre o experimental e o reminiscente de época. É raro na sala de cinema ouvir sonoridades contemporâneas que se afastam da convenção do que é musicalmente acessível.

As influências e colaboração com alguns dos nomes mais importantes da vanguarda musical portuguesa, bem como o trabalho quase científico de adaptação de música de vanguarda a cinema de estilo próprio feito por António Sousa Dias transformam os filmes de Macedo em intricados panoramas aurais. É este, talvez, um dos aspectos fundamentais da sua obra: uma ideia de cinema como obra de arte total através da conjugação de elementos como o desempenho dos actores, a banda sonora, o argumento com os seus textos e sub-textos, a luminosidade, o trabalho de enquadramento e movimento de câmara.