sábado, 11 de agosto de 2012

Chronos


Na sua encarnação original Chronos era um super-vilão, arqui-inimigo do The Atom. Equipado com gadgets inspirados em mecanismos de relógio, tinha o poder de parar o tempo e mais tarde adquiriu a capacidade de viajar no tempo. Como qualquer super-vilão que se preze, servia essencialmente para ser derrotado pelo herói de cujo alinhamento fazia parte. A sua morte é o mais interessante no personagem. Envelhecido e reformado numa casa decorada com artefactos comemorativos da cultura pop da era de ouro dos comics, afectado pelas cronodistorções, literalmente desvanece-se.

Da terceira encarnação do personagem apenas sei o que está na página da Wikipedia sobre o tema. Até prova em contrário, não parece particularmente intrigante.


A segunda encarnação do personagem, Walker Gabriel, é surpreendente. Escapa aos moldes tradicionais do género e desenvolve-se com alguma complexidade e não linearidade de forma discreta, sem os espalhafatos habituais dos relançamentos de comics. Durou umas curtíssimas onze edições por sobrecarga do argumentista, incapaz de manter um elevado nível de qualidade dentro dos prazos apertados da editora DC. Passa despercebido nesse grande oceano da edição de banda desenhada norte-americana, sendo uma pequena pérola do género.


Walker é um personagem ambíguo, que não se adequa aos moldes estereotipados dos comics. É um vilão que faz a coisa certa, ou um bom da fita com métodos pouco ortodoxos. Como preferirem. Não é musculado, foge de lutas corpo a corpo porque sabe que vai ser desancado e com um longo nariz adunco não se conforma ao ideal de beleza do género. Não tem aquele aspecto ameaçador que se associa aos vilões nem o ar imponente e brilhante dos heróis. É essencialmente uma pessoa normal que anda perdida com os poderes temporais que lhe são concedidos.

Este Chronos herdou a tecnologia do personagem original e usa o dinheiro de assaltos encomendados para financiar as suas pesquisa científicas. Envolve-se com um personagem sombrio que quer controlar o fluxo do tempo e a sua companheira, uma condessa renascentista italiana que se tornará imortal, e acaba por ter de se ver a contas com os Linear Men, uma organização que vigia a linearidade causal dos fluxos temporais. Não é um ser todo-poderoso, sendo que só ao longo da série é que vai desenvolvendo as suas capacidades temporais. As suas desventuras e busca da origem, com auxílio de personagens como o Barão Winters e Destino (dos Endless de Gaiman) levam-no a Chronopolis, uma solitária cidade além do tempo habitada pelo último descendente de escravos de uma raça alienígena predadora. A cidade, um misto de arquitectura industrial vitoriana, foi originalmente construída por este escravo e pelo pai de Walker, que este acaba por conhecer nos últimos volumes da série.

Walker tem um trauma pessoal, a morte violenta em acidente de viação da sua mãe adoptiva. Quando se apercebe da extensão dos seus poderes temporais regressa ao passado para evitar a tragédia, e ao fim de algumas desventuras com paradoxos temporais que deslindam em futuros fortemente distópicos, acaba por se eliminar a si próprio do tempo, mas não deixa de existir. Coisas da lógica dos comics... torna-se um personagem guardião, que visita momentos fulcrais da continuidade da linha temporal da DC.


Estilisticamente o comic é interessante, com linhas sóbrias e traço limpo a descrever com algum pormenor os passados e futuros possibilitados pelo desenrolar do argumento. No design de Chronopolis o estilo inspirado na arquitectura do ferro do final de século evolui para uma iconografia steampunk avant la lettre.


Escrito por John Francis Moore, desenhado por Paul Guinan e colorido por Steve Leilahoa, Chronos peca pelo seu final prematuro e esquecimento na continuidade da linha editorial. É pena. Poderia ter evoluído para um interessante título de culto com vida própria fora da continuidade da DC, como aconteceu a Hellblazer. Ficam-nos, embora obscuras, onze edições contínuas e uma especial que deixam questões intrigantes na mente dos leitores atentos. Talvez seja melhor assim. Sujeitas ao inferno do desenvolvimento continuo sob pressão editorial, as personagens de comics bem sucedidas no tempo levam tantas voltas que por vezes ficam irreconhecíveis, ou quedam-se por uma eterna repetição dos mesmos pressupostos. Este Chronos escapa a isso.