domingo, 3 de junho de 2012

Sonho húmido totalitário

Este é o tipo de ideias que me dá pesadelos. Não só pelas implicações em si ou pelo facto de quer a base tecnológica quer a vontade de as aplicar já existirem. O que verdadeiramente me assusta é que em boa parte dos usos possíveis estas seriam utilizadas de muito bom grado pelos utilizadores. E algumas já estão no mercado.

Profit-Driven Surveillance and the Spectrum of Freedom é um artigo que discute possibilidades de aplicação de tecnologias de vigilância em tempo real. Algumas parecem óbvias - monitorizar delinquentes condenados, outras já roçam os limites da sociedade panopticon, como o controle de assiduidade de alunos através de GPS. E pode-se ir mais longe: introdução de localizadores em veículos que reportem percursos e estilo de condução a seguradoras, que com base nesses dados adaptariam os seguros dos clientes. E dos seguros automóveis a seguros pessoais o passo é curto. Créditos bancários que obriguem à monitorização de hábitos de consumo. Prestação de cuidados de saúde com base na monitorização dos hábitos dos pacientes.

Se estas tecnologias fossem impostas, o rebuliço seria elevado. Os argumentos de totalitarismos e perda de liberdade depressa seriam invocados. Mas o que realmente me preocupa é que a chegada ao mercado destas formas de monitorização seria mais insidiosa, criando condições agradáveis para que os utilizadores/consumidores escolhessem livremente estas formas de total intrusão na privacidade e individualidade. Como? Imaginem uma diferença substancial de preço entre seguros de automóvel para os que concordassem em aderir a esquemas de monitorização ou obrigatoriedade de utilização tida como condição contratual para prestações de crédito mais baixas ou flutuantes com base nos hábitos medidos. E daí à obrigatoriedade generalizada com o argumento de é melhor para todos o pulo conceptual é pequeno.

A quantidade de informação que disponibilizamos é imensa. Registos de passagem na auto-estrada. Analise-se o tempo de entrada e de saída e pode-se saber a velocidade média do veículo. Localização geográfica do telemóvel. Hábitos de consumo cultural na internet. Bens adquiridos no super-mercado. Misture-se isto com uma boa dose da venerável ganância que caracteriza esta era de capitalismo descontrolado e temos uma ladeira escorregadia muito acentuada, em que a tradição iluminista de liberdade individual se dilui na confortável conveniência de grilhões dourados.

Este é o sonho húmido dos ditadores de pacotilha, talvez o grande sonho dos tenebrosos ditadores do século XX se tivessem conhecimento destas possibilidades. Cercear a liberdade, vigiar os mais íntimos momentos, com o acordo dos vigiados que trocam alegremente a liberdade individual pela conveniência de estilos de vida.