Li ontem o decreto-lei 220/2009, que regulamenta a habilitação profissional dos docentes face à reestruturação dos cursos superiores sob o processo de Bolonha. A partir de 2010, os novos professores terão de ter mestrado (já incluído nos currículos dos cursos) para aceder à profissão.
Não quero parecer velho do restelo, sempre desconfiado perante inovações, mas tenho algumas dúvidas sobre a qualidade dos mestrados no processo de bolonha. Por uma razão: estando já inseridos no curso, perdem a experiência profissional adquirida entre a conclusão da licenciatura e a realização do mestrado. Falo da minha experiência. Estou neste momento mergulhado num mestrado que beneficiou e muito dos anos que mediaram entre a conclusão do curso e o arranque do novo desafio. Se o tivesse feito quando terminei o curso, certamente que não sairia um trabalho tão interessante como o que estou a desenvolver (agora, acabar, isso logo se vê...).
Também não sou totalmente céptico. Certamente que sairão muitos e bons trabalhos. Mas temo que por falta de experiência no terreno, os correntes estudantes de cursos de formação de professores optem por teses e trabalhos de investigação na linha directa do que aprenderam o curso. Ao invés de questionarem práticas ou procurarem novos campos de intervenção, temo que se instale uma tendência de validar as teorias e modelos de ensino abordadas nos cursos. O risco é o da propagação do eduquês puro. Fresquinhos das aulas teóricas e com uma experiência prática limitada aos estágios (fortemente condicionados em termos de autonomia das práticas do futuro professor face ao esperado pelos seus professores), o campo está a aberto a aplicações directas e potencialmente pouco realistas das teorias puras. E aí o conceito de trabalho de investigação perde valor (mas vai ajudar a sustentar muitas teorias iluminadas).
Já agora, convém clarificar o que é isso do eduquês, de que tantos falam. Para mim, trata-se da defesa cerrada e aplicação cega de uma teoria educativa face a outras. A aprendizagem é um ecossistema complexo, dependente de muitos factores pessoais, sociais, económicos ou cognitivos, entre outros. Escolher uma só teoria e elevá-la à condição de teoria óptima não significa aprendizagens mais eficazes. Significa que as aprendizagens eficazes que se obteriam aplicando outros modelos se perdem, e caímos num exagero epistemológico. A gama de modelos de aplicação possível vão desde os mais tradicionais de aula directiva e memorização aos mais na moda como a aprendizagem baseada em problemas ou o construtivismo. Este último tem sido uma das principais bandeiras dos exageros educativos, o que é uma pena, pois pode anular a interessante contribuição que esta corrente dá à compreensão da aprendizagem.
Ao fim de algum tempo no terreno, qualquer professor percebe que perante os alunos não há verdades estabelecidas, não há modelos únicos que funcionem. Diferentes momentos de aprendizagem pedem diferentes abordagens. É interessante assumir um modelo construtivista em que os alunos encontram os seus caminhos de aprendizagem mas se não lhes forem dadas as bases para essa construção eles não irão muito longe. E para aquisição dessas bases o velho modelo drill and practice ou a simples memorização, bem como a exposição, são muito eficazes. Diversidade, e não crenças zelotas, são na minha opinião a chave para aprendizagens eficazes a longo prazo, com consequências no estado geral da educação e no futuro de um país.
Mas regressando ao tema original, também não desesperemos. Confiemos no potencial de abordagens diversas que os futuros professores trarão para o terreno de investigação.