Fala-se de défices democráticos na sociedade portuguesa contemporânea, mas continuamos a ser uma sociedade onde se fala e escreve livremente. Não há notícias de incinerações públicas de livros no terreiro do paço (local com certa tradição de fogueiras) nem perseguições abertas a dissidências. O que não quer dizer que não se sinta uma forte tendência autoritarista.
São indícios que se sentem: a necessidade, agora tão na moda, de legislar vestuário que começou nas empresas e agora alastrou às escolas e serviços públicos. Define-se o que é apropriado em função do local e as pessoas que se adaptem. Manifestações de individualismo permitidas apenas dentro dos parâmetros aceitáveis. Embora assentem sobre pressupostos de bom-senso, de manutenção de imagens perante clientes no lado das empresas e de evitar potenciais litígios complexos no caso das escolas, não deixa de ser preocupante esta vontade de legislar minudências. Vai não vai um destes dias sai uma lei que proíbe os professores de terem cabelo comprido... o que implicará que eu pegue numa carabina e trate da saúde ao legislador (ooops... eis uma piada de mau gosto que não deveria ter escrito publicamente... ainda acabo em tribunal por incitar à violência).
Outra coisa estranha é a discussão que se faz sentir sobre as eleições que se aproximam. Parecem haver dois pólos a orbitar nas vozes políticas - a ideia de maiorias absolutas, que permitem governar sem impedimentos, e a de blocos centrais, super-coligações que permitiram governar sem impedimentos. Nota-se algum padrão? Talvez no governar sem impedimentos? A justificação prende-se com os tempos de crise e a necessidade de governações decididas. Mas a questão que se coloca é a legitimadade de políticos em democracia pedirem o que na prática equivale à suspensão da governação democrática.
A questão é bem antiga: será que os fins justificam os meios?