sábado, 16 de maio de 2009

Responsabilidades

Tenho optado por intervir na recuperação de magalhães no âmbito do projecto eEscolinhas. Mas começo a pensar se terá sido boa ideia esta minha opção. Tomei-a porque embora o processo de recuperação de um magalhães não seja complexo (arrancar de uma pen e reinstalar o sistema operativo seguindo os passos) pode sê-lo para quem não estiver dentro do mundo da informática (caso de grande parte dos pais e encarregados de educação da zona onde trabalho), bem como pelo gosto de saber mais sobre o computador (intervir é uma forma de começar a conhecer as manias do magalhães e assim conseguir auxiliar os colegas do 1º ciclo quando e se eventualmente ele for utilizado em sala de aula). Tenho tempo disponível num dia da semana, tempo nominalmente utilizado para tarefas de coordenação mas estas normalmente não se adequam a balizas temporais. Se um pc avariar, se for necessária a instalação ou actualização de uma aplicação, se houver actualizações ao site da escola, se houver problemas informáticos não posso dizer "ok, tudo bem, isto resolve-se em tal dia e em tal hora". Tem que ser no momento, o que me deixa na invejável situação de cumprir o meu horário sem fazer o que preciso de fazer para depois ter de ficar para lá do meu horário a fazer o que é necessário.

A questão é que intervir no magalhães coloca-me questões incómodas. Faz parte das competências que me são atribuídas a manutenção de computadores da escola (na medida do possível, claro). Um magalhães não pertence à escola. Pertence aos pais dos alunos, o que implica que ao intervir estou a fazê-lo num objecto que é propriedade privada. Que eu saiba se levar o meu carro a uma oficina da junta ou de um qualquer serviço público que tenha oficinas eles não o reparam gratuitamente. Aliás, não reparariam de todo. Possivelmente rir-se-iam da minha veleidade em utilizar recursos públicos para benefício privado.

A JPSáCouto e a floresta de empresas sub-contratadas que gira à volta do projecto magalhães tem um negócio perfeito. Constrói sob licença um produto concebido pela Intel mas alardeia ser de concepção portuguesa. É-o, na medida em que a Microsoft portuguesa e a Caixa Mágica interviram, mas é o mesmo que dizer que um automóvel é totalmente português apesar de construído com peças importadas, excepto o cãozinho decorativo do tablier que foi made in portugal. Tem mercado cativo, criado por decreto ministerial. O apoio técnico é inexistente - no hardware as garantias não cobrem praticamente nada e no software o ónus foi colocado nas escolas, que receberam pens de recuperação do sistema e para onde os pais são direccionados sempre que conseguem contactar o apoio técnico do eEscolinhas (processo que é uma odisseia de longas esperas ao telefone, como já comprovei). A consequência disto é óbvia - ao intervir num magalhães, estou na prática a trabalhar de graça para uma empresa privada. A JPSáCouto lucra de duas formas - através da venda da máquina e da enorme poupança em apoio técnico.

Outra questão, que ecoava ontem fortemente na minha mente, é a responsabilidade em caso de problemas na intervenção. Resolvi essa questão com termos de responsabilidade, em que se explica o que é a reposição do SO, e quais as suas consequências. Só intervenho após a assinatura em duplicado desse documento. Sem isso nem toco na máquina. Mas o que acontece se no processo de reparação a máquina frita? Quem é o responsável? A empresa que manufactura e não presta apoio? Eu, que por questão de consciência intervenho sem qualquer compensação mas com possibilidade de potenciais chatices? Ontem um magalhães em que intervi obrigou-me a pensar. Falhou a recuperação ao fim de três horas de um processo que nominalmente leva vinte minutos, e vá lá que ao fim de mais três horas foi bem sucedido. E se não tivesse sido?

Muitos dos meus congéneres recusam liminarmente intervir. Compreendo-os, e compreendo a decisão. Talvez também devesse ser a minha. A posição semi-oficial é que a intervenção - reposição de sistema, deve ser disponibilizada, ou seja, em caso de necessidade de reposição deve-se emprestar a cada vez mais famosa pen ao encarregado de educação, indicar-lhe uma sala e mostrar-lhe as fotocópias das instruções de reposição. O resto ele que faça. É um compromisso salomónico, surgido após inúmeras reclamações por parte daqueles que se recusam legitimamente a intervir. Não estou a ver a sua aplicabilidade com a larga maioria dos encarregados de educação da zona onde trabalho, para os quais o magalhães está a ser o primeiro contacto com a tecnologia digital. Tem sido esses que têm até agora recorrido à minha ajuda (felizmente, pontual, não fazem fila à porta da escola).

Posto isto, porque é que continuo? Porque é que faço um trabalho que favorece uma empresa privada que lucra à minha custa e um partido político que se aproveita descaradamente deste projecto, cujo sucesso depende de quem está no terreno, para ganhar eleições? Talvez deva começar a enviar facturas para a JPSáCouto e para o PS.