segunda-feira, 26 de maio de 2008

Petróleo

Talvez algo de bom se consiga destes tempos conturbados que vivemos. Atrevo-me a dizer que os altos preços do combustível poderão ser benéficos, embora a longo prazo.

A dependência do automóvel, alimentada pelos combustíveis baratos, habituou-nos a padrões de vida insustentáveis. As distâncias da rotina diária esticaram-se cada vez mais em modelo sociais, económicos e urbanísticos só tornados possíveis pela confluência das redes de estradas, que num ciclo vicioso vão estendendo os limites dos espaços urbanos para lá do razoável.

A deslocação casa-trabalho é cada vez mais longa em extensão, e só não em tempo graças aos constantes investimentos em vias rápidas. Os padrões de consumo centram-se em dois pólos, o centro comercial e o hipermercado, impensáveis sem uma estreita relação com o automóvel. Os tempos de lazer envolvem distância, percursos de estrada. Paradoxalmente, o local optimizou-se para acolher o distante. Ou, em muitos casos, extinguiu-se, esmagado pelo urbanismo galopante que descaracteriza os centros locais, rodeando-os de edifícios-dormitório e vias de acesso rápido que servem apenas para escoar trânsito congestionado.

Cada vez mais esmagados pelo preço da energia, que não dá sinais de baixar, seremos obrigados a modificar o nosso modo de vida. O modelo de urbanismo assente no subúrbio/exúrbio, via de comunição, centro urbano dedicado essencialmente ao trabalho e centros de lazer distantes não é exequível sem energia barata. E isso, mesmo que este corrente pico alivie, é coisa que o futuro não trará.

Paradoxalmente, a subida dos preços dos combustíveis poder-nos-á ser benéfica, redimensionando o espaço público, voltando a centrar a vida quotidiana no espaço local. A deslocação poderá ser substituida pela telepresença; as perversas leis do mercado podem a isso obrigar.

A era do petróleo está a entrar no seu canto de cisne. As energias alternativas ainda são uma tímida pedrada no charco, e num caso específico, dos biocombustíveis, estão a contribuir para agudizar crises.

Posto isto, olhar para os constantes aumentos não deixa de enfurecer. Particularmente se prestarmos atenção aos media internacionais, que traçam um retrato alarmante da corrente crise petrolífera: crescimento das necessidades energéticas dos dois gigantes asiáticos e estabilidade das dos países industrializados, apesar de anos de políticas de apoio a energias alternativas, mais cosméticas do que eficazes; esgotamento progressivo de recursos, ainda a longo prazo mas a aproximar-se; e, especialmente revoltante, a pura especulação financeira em mercados completamente desregulados, que apostam meramente no lucro a curto prazo.