quinta-feira, 27 de março de 2008
Metodologias de escolha
Ian Kershaw (2007). Fateful Choices. Londres: Penguin
Guardian | The Method in History's Madness
A II Guerra Mundial foi um momento central do século XX. É à volta deste conflito que gira a história do século, como se os anos até 1939 não tivessem passado de uma marcha inexorável até ao cataclismo que consumiu a Europa e a Àsia. É verdade que podemos definir um mundo pré-II guerra, onde os velhos impérios e os novos nacionalismos faziam sentir a sua influência, e um mundo pós-II guerra, um mundo de expansão económica e libertação política, uma transformação radical da forma de conceptualizar o papel do homem e das suas instituições no planeta.
E no entanto, se a II Guerra não tivesse acontecido, ou se tivesse corrido de forma diferente, que mundo teríamos agora? É um tema clássico da ficção especulativa, normalmente lidando com um mundo em que pelas mais diversas razões o regime nazi não acabou sob os escombros de Berlim e impera no mundo, ou em que o imperalismo japonês não teve o seu fim lógico debaixo dos cogumelos nucleares.
É fácil perceber como aconteceu a II Guerra Mundial. Os acontecimentos pareceram suceder-se com a precisão de dominós a cair em cadência. Mas o que Fateful Choices pretende demonstrar é o elevadíssimo nível de incerteza que rodeou as principais decisões que determinaram o curso da segunda guerra. O livro é surpreendente nas suas conclusões.
Após a queda da França, o Reino Unido esteve muito perto da rendição. A entrada dos EUA na guerra só foi possível após o ataque a Pearl Harbour, graças à forte opinião pública que apesar de apoiar a Grã-Bretanha na sua luta contra o que parecia ser o titã nazi se recusava terminantemente a consignar mais do que boa-vontade na defesa das democracias europeias. O processo de decisão que levou ao ataque nipónico aos EUA foi ao mesmo tempo a conclusão lógica do militarismo japonês e um processo de indecisões por parte de elementos políticos de um sistema altamente burocratizado que levou a que a decisão final se tornasse inevitável apesar de todos os intervenientes terem consciência de ser a pior decisão possível. O regime fascista italiano aniquilou-se a si próprio graças a decisões positivamente idiotas, baseadas na retórica grandiloquente e não na realidade de um país empobrecido e pouco industrializado. A famosa decisão de Hitler de invasão da URSS faz, na realidade, todo o sentido face à conjuntura da época - com a França subjugada e o Reino Unido encostado às cordas, com os EUA impossibilitados de intervir graças à sua fraqueza militar e opinião pública favorável ao isolacionismo. A política autocrática, paranóica e sicofântica de Estaline quase condenou a URSS à aniquilação. E, de forma aterrorizante, a decisão final do Holocausto nunca existiu. O processo que culminou nos horrores de Auschwitz foi um processo gelidamente lógico de procura de uma solução logística para um problema com raízes num pensamento racista europeu de meados do século XIX.
Fateful Choices é uma obra minuciosa, que analisa a fundo o processo que levou às principais decisões que formaram a II Guerra Mundial. Certamente que não é uma obra tão empolgante como um relato de batalhas, brilhantes decisões estratégicas e histórias de coragem no campo de batalha, mas a sua focalização nas decisões e indecisões que manipularam a história mostra um interessante e muitas vezes esquecido ponto de vista.