quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Terapia de Choque



Naomi Klein (2007). The Shock Doctrine. New York: Metropolitan Books

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The Nation | Naomi Klein
The Age of Disaster Capitalism

Autora de No Logo, implacável análise aos meandros da cultura de consumo globalizada apoiada num submundo de salários miseráveis, exploração laboral e desrespeito pelas mais elementares regras de ética comercial e ambiental, Naomi Klein é uma conhecida jornalista canadiana, colunista regular do jornal Guardian, e praticante adepta do jornalismo interventivo de acutilante sentido crítico.

The Shock Doctrine, a sua última obra, é o resultado da investigação desenvolvida sobre a influência das teorias económicas ultra-liberais de Milton Friedman e da Chicago School of Economics nas decisões políticas, estratégicas, sociais e económicas que estão a moldar o mundo contemporâneo. Começando no Chile de Pinochet e terminando no Iraque ocupado pelos americanos, Naomi Klein traça um mapa aterrador de triunfo do capitalismo selvagem em detrimento de todos os direitos civis, despojando os mais necessitados dos mais elementares bens sociais, empobrecendo uma vasta quantidade da população mundial, abrindo as riquezas das nações à cupidez das grandes corporações transnacionais, em nome de uma ilusória noção libertária de progresso que se traduz em lucros fabulosos a curto prazo para uma minoria afluente enquanto as condições de vida se degradam irremediavelmente para a imensa maioria.

Klein analisa a fundo as mais díspares situações, desde experiências psicológicas levadas a cabo nos anos 50 com o objectivo de desprogramar personalidades, passando pelos anos negros da américa do sul, o Chile de Pinochet, a Argentina e o Brasil das juntas de generais, a Inglaterra de Thatcher, o colapso da União Soviética e o desastroso governo de Yeltsin, a derrocada das economias asiáticas na crise financeira do final dos anos 90, a estrutura do crescimento económico chinês, os nepotismos que se seguiram ao arrasar do sudoeste asiático após o tsunami de 2004, o cilindrar do Iraque debaixo da doutrina do shock and awe, o colapso dos serviços de protecção civil americanos no rescaldo do furacão que arrasou Nova Orleães.

De acordo com Klein, a todos estes acontecimentos, aparentemente díspares, está subjacente uma lógica de terapia de choque: o avançar do ideal ultra-liberal do capitalismo mais selvagem, que aposta no desmantelar do sector público e no derrube de barreiras legais ao lucro selvagem, apregoando a trickle-down economics como uma forma mais eficaz de desenvolvimento social do que iniciativas de redistribuição equitativa da riqueza. Esse avançar só é possível, afirma a tese deste livro, com terapias de choque, que eliminam ou aterrorizam a vasta maioria dos cidadãos, deixando-os aturdidos e incapazes de lutar contra a pilhagem dos seus sistemas sociais, das suas economias, das riquezas nacionais. É esta a noção de shock doctrine, apregoada pelos doutrinários do ultra-liberalismo friedmanita: na tabula rasa das ruínas de uma sociedade, constrói-se um novo mundo de vastas injustiças e lucros astronómicos.

As terapias de choque variam. Tanto podem ser a imposição de regimes de terror interno por parte de ditaduras sanguinárias, como as políticas do Banco Mundial, o arrasar de países debaixo de máquinas de guerra que se assumem como todo-poderosas, ou a destruição provocada por catástrofes naturais. Por entre as ruínas, os escrúpulos esfumam-se, e tudo fica a saque. Na américa do sul dominada pelas tenebrosas ditaduras dos anos 70, países inteiros foram mergulhados na pobreza, enquanto grandes corporações enriqueciam com a ajuda das baionetas dos militares; na rússia dos anos 90, a transição para a democracia foi deliberadamente manipulada pelos oligarcas, que enriqueceram desmesuradamente enquanto um dos países mais desenvolvidos do planeta regredia a níveis do terceiro mundo. No rescaldo do tsunami que varreu o sudoeste asiático, populações inteiras de aldeias do litoral foram proibidas de regressarem às ruínas das suas casas, para que os terrenos fossem entregues a promotores imobiliários que se apressaram a construir hoteis de luxo. No Iraque a ferro e fogo, arrasado pelas bombas, dividido por uma guerra civil sectária, a administração proconsular enterrou milhares de milhões de dólares em projectos de reconstrução que nunca foram levados a cabo, tendo o dinheiro esfumado-se numa vasta teia de corrupção institucional. Na Nova Orleães encharcada pelo furacão, a ruína e o falhanço da protecção aos mais desfavorecidos criaram a oportunidade de limpar a cidade da sua população menos afluente, reconstruindo-se não a cidade que antes existia mas sim um paraíso turístico limpo de massas indesejáveis.

The Shock Doctrine é um livro arrepiante, alicerçado em dados concretos, que traça um retrato assustador de uma tendência ideológica que parece estar a dominar as consciências.