No serão de domingo vi pela primeira vez a RTP a prestar um verdadeiro serviço público, um que não relega a cultura para um canal secundário e deixe transparecer a ideia de que serviço público no maior canal português, pago com dinheiro dos impostos, se resume a concursos e jogos de futebol. Estou a falar do belíssimo concerto de verão da RTP, com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, transmitido em directo da Casa da Música para todo o país via, pasme-se, a RTP-1.
O próprio concerto foi um serviço público, com um programa pensado não em função de élites conhedoras mas sim em função do grande público, em geral ignorante das nuances e da vitalidade da música clássica. A escolha favoreceu peças curtas, vibrantes, que agarravam o ouvido. Do concerto destacaria a interpretação apaixonante do segundo andamento da Sinfonia Alentejana de Luís de Freitas Branco (sim, existe uma sinfonia dedicada ao Alentejo, e não é nenhuma piada, garanto que a melodia captura na perfeição o espírito e a paisagem que tornam o Alentejo naquela zona tão especial do nosso país) e a vibrante interpretação da Rhapsody in Blue de Gershwin, com António Rosado brilhante ao piano e a orquestra a vibrar com esta sinfonia única, onde o jazz se cruza descaradamente com a música erudita.
(Aqui confesso que até a minha cadela gostou - o que é um elogio, uma vez que arrebita as orelhas mal aquele trompete sensual que dá o mote à Rhapsody in Blue começa a ondear, e acaba sempre a tentar um dueto a meio da sinfonia, acompanhando os clarinetes a ganir.)
Certamente que não faltarão aqueles que se irritaram ao ligar a televisão na noite de domingo e em vez da habitual dieta de concursos deram com "aquela seca" da música clássica. Cá por mim, expresso os meus parabéns: foi um momento, raro, de verdadeiro serviço público, que enriqueceu quem, por acaso ou por conhecimento, ouviu os acordes do concerto.