domingo, 30 de setembro de 2007

Mundos Sem Fim



Clifford D. Simak, Mundos Sem Fim, Livros do Brasil, colecção Argonauta, 1988

Wikipedia | Cliffod D. Simak

Apesar de estar já um pouco esquecido, Cifford Simak é um dos grandes mestres da golden age da FC. Sem ter atingido o estatuto de um Asimov, Simak legou uma obra coerente, preocupada com a correcção científica - sem a qual a FC seria, apenas, ficção fantástica, embora com um estilo mais bucólico e pastoral do que o ambiente hipertecnológico que é imagem de marca da FC.

Mundos Sem Fim, Worlds Whitout End no seu original, colige três contos de Simak, Mundos Sem Fim, O Van Gogh do Espaço e O Ciclo Total. Obras dos anos 50, encaixam bem na estética da FC da época. São contos de leitura rápida, que esboçam eficientemente mundos fantásticos e procuram surpreender o leitor com visões utópicas de sociedades futuras.

Em Mundos Sem Fim, o conto que dá o título à obra, o que surpreende é a estranha previsão do poder da realidade virtual, descrita décadas antes de sequer se ter começado a pensar em virtualizações. Simak descreve no conto uma sociedade homogénea, num futuro longíquo em que nações e governos se desfizeram, passando a sociedade a ser administrada como um sistema por guildas responsáveis pelos serviços sociais - educação, saúde, informação e entretenimeto, e, muito em especial, os sonhos - uma tecnologia de suspensão de vida que permitiria uma interrupção na vida, durante a qual se vivia um sonho, para se ser acordado séculos depois. No conto, Simak descreve uma estranha conspiração em que os sonhos - na práctica, realidades virtuais - eram manipulados como forma de antevisão do futuro.

O Van Gogh do Espaço é um conto intimista em que o protagonista chega ao fim de uma longa viagem num planeta esquecido nos confins do universo. O motivo que leva o protagonista a atravessar o universo é a busca de conhecimento sobre um artista muito especial, o maior artista da sua época, que morrera nesse planeta esquecido. Mas mais do que descobrir a vida do artista, o protagonista acaba por descobrir a mais clássica das verdades - que as viagens são antes de tudo viagens de auto-descoberta.

O Ciclo Total é o mais intrigante dos contos de Mundos Sem Fim. Seguimos aqui a deriva de um historiador, anacronismo numa nova sociedade. Neste conto, Simak, de modo muito esboçado, mas por isso mesmo a despertar mais a curiosidade, traça em linhas gerais uma hipotética futura sociedade baseada no nomadismo. O medo da guerra nuclear levou a sociedade à descentralização radical - a atomização dos centros industriais eliminava-os como alvos, mas a longo prazo as consequências levaram a uma alteração social radical, com o desaprecimento da ideia de propriedade imobiliária e a desagregação da sociedade em bandos nómadas especializados, sem que no entanto a sociedade se desagrege realmente. O protagonista desta história, historiador agarrado aos velhos modelos, é forçado a adaptar-se a esta nova sociedade, e acaba por descobrir o seu real potencial.

Mundos Sem Fim é FC clássica no seu melhor. Sem ser uma obra espantosa, abre campos de imaginação fascinantes e descreve possíveis mundos futuros sem cair na prelecção utópica. Embora o tom dos contos não seja especialmente grandiloquente, há que admirar a facilidade como em poucas palavras são descritos novos mundos. Algumas das ideias estão necessáriamente datadas, uma vez que a FC está sempre interligada com as épocas de que é contemporânea, mas esta leitura interessa para lá de contextualizações e caracterizações de FC de época.