terça-feira, 7 de agosto de 2007
V for Vendetta
V for Vendetta
Wikipedia | V for Vendetta
IMDB | V for Vendetta
Da autoria de Alan Moore e David Lloyd, V for Vendetta é uma das mais importantes obras de banda desenhada, uma leitura obrigatória para os amantes e conhecedores de BD e uma referência no universo daquela que é considerara a oitava arte. Infelizmente, a sua adaptação à sétima arte não fez jus à qualidade intrigante e ao brilhantismo anárquico da obra original.
Alan Moore tem muito azar com as adaptações das suas obras ao cinema. Tanto azar, que neste filme recusou o seu nome nos créditos de criador de V. E já que falamos de Alan Moore, comics e cinema, já vi por aí uma referência a um site que promove o método Veidt. Os conhecedores já sabem (ou intuem) do que estou a falar, para os restantes fica a pista de que se trata de marketing viral para promover um futuro filme inspirado (e, esperemos, realmente inspirado e não demolido) noutra obra marcante saída da mente vigilante de Alan Moore.
O esqueleto da história mantém-se no filme. Numa Londres futurista, uma personagem enigmática oculta sobre uma máscara de Guy Fawkes dedica-se a aterrorizar um estado totalitário, abalando-o até à inevitável derrocada. V é um enigma, uma espécie de super-homem nietzschiano cujas acções, de lógica apenas compreensível por V, se encontram para lá dos conceitos de bem e de mal. V combate em nome da liberdade, mas não hesita em matar e torturar. V castiga os crimes e os vícios dos homens do regime, embora V não seja inocente e desprovido de vícios. Por detrás da sua luta contra um regime, está uma vingança pessoal, uma vendetta contorcida, contra personagens-chave do seu passado.
E aqui começam as diferenças. Se a Londres do comic era uma Londres pós-apocalíptica, uma Londres - e uma Grã-Bretanha - sobreviventes a uma guerra nuclear (essa ideia tão prevalente nos anos 80), a Londres do filme é uma cidade moderna, tecnológica, em que as ameaças terroristas levaram a população a abdicar da liberdade em nome da estabilidade e da segurança, depositando o poder numa república britânica de extrema-direita, ultra-conservadora, xenófoba e intolerante de todas as diferenças. A referência aos nossos tempos contemporâneos, em que as liberdades e garantias são depressa esquecidas nas inúmeras precauções saídas dos horríficos ataques terroristas, em que o ultra-liberalismo, apoiado numa rigidez conservadora, tenta diluir a diversidade de ideias num economicismo tecnocrático, e onde as influências religiosas de extremos fanáticos dominam o poder no mais poderoso país do planeta.
(Sim, tenho problemas com a sociedade conteporânea. E vocês, não?)
V combate a sua guerrilha pessoal, um one man's army humilhando o poder do regime a todas as esquinas e tentando despertar a consciência, a revolta e a coragem esquecidas dentro do coração dos cidadãos. V morre antes de ver se a chama que ateou provocou o incêndio libertador.
V for Vendetta, tal como foi filmado, esquecendo o peso do comic em que foi inspirado, poderia ser um bom filme, uma fábula moderna sobre os nossos tempos, com belíssimas cenas de acção violenta para apelar às massas. Mas se assim fosse, não se chamaria certamente V. Não quero com isto dizer que o filme não funciona, que não tem interesse. Antes pelo contrário. Mas à luz da obra original, este V limpinho e futurista empalidece perante a profundidade do original.
Felizmente, com tanto corte e modificação, os produtores do filme mantiveram a riqueza dos diálogos escritos por Alan Moore. Se é um prazer lê-los, é um prazer ouvi-los na entoação melódica de Hugo Weaving, actor que veste a pele (melhor seria dito a máscara) de V. O toque nonchalant nas frases elegantes de inspiração shakespereana torna-as deliciosas.
O regime é retratado de forma convenientemente repressiva. Um toque curioso é John Hurt no papel de Chanceler, o líder do governo totalitário, a representar um perfeito Grande Irmão (se eu escrever Big Brother a conotação, infelizmente, dilui-se), numa total inversão do papel que representou em 1984, adaptação cinematográfica da clássica distopia de George Orwell.
Por si só, V for Vendetta é um potente filme curioso e provocador, com um estilismo perfeccionista e uma intrigante visão política que talvez não esteja assim tão distante da nossa realidade. Infelizmente, a comparação com o original é inevitável, e aí V for Vendetta surge como um produto de consumo diluído, num estilismo sócio-politico vazio de conteúdo.